Foi superando as dificuldades que um álbum adaptado para cegos saiu do papel. "A iniciativa foi espetacular. É lindo o sorriso nos olhos daqueles que não enxergam" profetiza o consultor de vendas Eliseu Silva, pai de Rafael Bernar, de 11 anos, atendido pelo Instituto Benjamin Constant (IBC), no Rio de Janeiro. Rafael é totalmente cego do olho direito e tem baixa visão e malformação da retina no olho esquerdo.
"Quando se tem um filho com deficiência visual, a gente aprende a enxergar a vida e o mundo de outra forma. Fico feliz com a repercussão e visibilidade que este álbum está proporcionando aos deficientes visuais", conta Eliseu. Em 2018, o professor Luigi Amorim, diretor do Departamento de Educação do Instituto Benjamin Constant (IBC), dava uma aula de matemática quando o interesse de um dos seus alunos o motivou a criar um álbum adaptado. O Instituto Benjamin Constant é uma instituição federal especializada na educação e atendimento de pessoas cegas e com baixa visão.
Final de semana intenso
Foram cinco dias de muito trabalho, começando em uma sexta-feira, para que o aluno recebesse, na aula seguinte, o álbum, para felicidade não só dele mas de todos ao seu redor. "Em um mundo tão visual, tornar um livro didático acessível para qualquer aluno com deficiência, é um grande desafio. Temos um programa em que digitamos a palavra e ele a imprime em braile, já usava esse recurso para aulas de matemática que contam com tabelas, gráficos e desenhos, então eu já tinha uma certa bagagem.
O mais difícil foi o despertar da ideia, identificar e atender a necessidade do aluno. Era preciso resolver essa não inclusão. Colocar em ação não foi tão complicado, apesar de demandar muito tempo.
O que não era um espaço para ele, passou a ser", conta o professor. Pessoas de todas as idades se envolveram com o álbum do Mundial de 2022, que tem potencial para chegar a públicos de diferentes perfis, bastando à empresa responsável pensar, estudar e colocar em ação algumas alternativas para mostrar sensibilidade e capacidade de explorar bem o seu produto.
"Proporcionar isso aos meninos com deficiência visual é muito gratificante, aparece uma chance de incluí-los socialmente, fazer parte de um momento especial para todos. O álbum faz a alegria da garotada, pra nós foi uma sensação de dever cumprido, de poder lutar contra o capacitismo e estar ao lado deles nesta luta a favor da pessoa com deficiência. "
Torna-se acessível algo que, até algum tempo, não era. Sabemos que as empresas visam o lucro, mas políticas públicas podem contribuir para que isso chegue a todos, que se tenha um outro olhar. A sociedade é plural e precisamos entender as diferenças, trazer equidade para diminuir essa margem. Não deve ser fácil para as empresas, mas é necessário que elas se mobilizem nesta direção, pensando também no seu próprio interesse", explica o professor.
Nova demanda para empresa responsável pelo álbum
O caso do IBC, que também aconteceu com outras crianças deficientes visuais, já chegou à Panini, empresa responsável pela criação do álbum. Uma nova demanda já aparece para a empresa, que tem tudo para ampliar seu público e mostrar uma importante visão social.
A intenção do professor Luigi é fazer contato com os responsáveis para que as próximas figurinhas possam ter, ao mínimo, um corte na parte de cima, para os alunos identificarem a parte de cima e de baixo da figurinha, podendo colá-la na posição correta.
Uma autonomia que certamente vai aumentar o envolvimento destas crianças com o álbum do Mundial, com outras ideias também podendo ser pensados pela Panini. A reportagem fez contato com a empresa e ainda não obteve resposta.
O álbum adaptado conta com três páginas para cada seleção, ao invés das duas do produto original. A página extra serve para identificar os nomes de cada jogador que estará presente nas páginas seguintes.
Ansiedade de pequenos fez a diferença
Três alunos tiveram influência para que o projeto do álbum de 2022 saísse do papel mais rapidamente. Rafael Bernar, Gabriel Romeu e Gabriel Silva já sabiam do álbum criado pelo professor Luigi em 2018.
Quase que diariamente, o trio ia na sala do professor para saber quando o álbum do Mundial estaria disponível para eles. "A minha maior felicidade maior é ver meus amigos que não enxergam nada poderem brincar trocando figurinhas todos juntos", comemora Rafael.
Foram feitos mais de 150 álbuns, que já foram entregues internamente. A ideia é que todos os mais de 3.000 assinantes (de mais de 20 países) da Revista Pontinhos, criada pelo IBC, recebam o álbum do Mundial de 2022. A instituição não conta com ajuda de empresas privadas e toda a distribuição é gratuita.