Análise: finalista em 2018, Croácia deve ter vida dura no Catar
A histórica caminhada da Croácia até a final da Copa do Mundo de 2018 foi antecedida pela demissão do treinador Ante Čačić. O episódio ocorreu pouco antes do último jogo das Eliminatórias e do craque do time, Luka Modrić, ser acusado de um falso testemunho no julgamento do agente Zdravko Mamić, uma mancha em seu legado.
Agora, a Croácia parece estar em um bom momento, após o vice Copa e a classificação para as semifinais da Liga das Nações. Seria isso um mau presságio?
Invicta nas últimos cinco partidas, mesmo enfrentando duas vezes a França, algoz na final de 2018, e a Dinamarca, semifinalista da Eurocopa, uma Croácia envelhecida está pronta para o que pode ser o canto do cisne de uma grande geração. Com elenco melhorado, maior confiança e departamento médico vazio, a seleção é mais perigosa quando consegue desenvolver seu jogo de posse de bola e passes curtos.
O treinador Zlatko Dalić, homem de muita fé, passou boa parte de sua preparação para a Copa do Mundo em uma peregrinação de 130 quilômetros de sua cidade natal, Livno, até um santuário católico em Međugorje, na Bósnia e Herzegovina. Será que seus comandados também podem ir longe desta vez?
Pontos fortes
Seria fácil esquecer agora que, na era da pandemia, a Croácia teve provavelmente a pior defesa entre as seleções da elite europeia. Entre sua participação na final da Copa do Mundo e o último verão, nenhum participante da Eurocopa 2020 havia sofrido em média mais gols do que a Croácia (1,62 em partidas oficiais).
Isso não parece mais ser um problema, com Dinamarca e França tendo apenas 2,73 gols esperados contra os croatas nas quatro partidas pela Liga das Nações — sem nunca chegar à marca de 1 em um único jogo.
Nenhum outro time na Liga A conseguiu limitar seus adversários a finalizações de tão baixa qualidade como a Croácia (0,081 por finalização contrária, o único time a ficar abaixo da linha de 0,1 xGA), com sua capacidade de bloqueio de chutes cuidando do resto. Os 24 bloqueios da Croácia ficaram atrás apenas dos 28 do País de Gales, e cinco à frente da Dinamarca e da República Tcheca.
No outro lado do campo, os dois veteranos seguem dando conta do recado. Não carregam mais tanta responsabilidade como antes, mas isso não significa que eles deixem de ter atuações decisivas. Modrić deixou o melhor para o fim, tomando conta do meio-campo contra Dinamarca e Áustria em setembro, logo após completar 37 anos, para colocar a Croácia entre as quatro finalistas da Liga das Nações.
Perišić, por sua vez, perdeu a maior parte da campanha na Nations, mas foi a principal peça ofensiva da Croácia nas Eliminatórias para a Copa do Mundo. Como faz 34 anos em fevereiro, esta pode ser a última chance de ampliar ainda mais sua ótima marca em grandes competições (Copa e Euro): nove gols em 14 partidas como titular.
Pontos fracos
À primeira vista, a Croácia parece ser uma equipe bem equilibrada, capaz de fazer os gols necessários e sofrer poucos. Indo um pouco mais a fundo, porém, é possível perceber alguns problemas. Em primeiro lugar, a equipe marcou oito gols em seu grupo da Liga das Nações, mas só conseguiu furar a defesa da França graças a dois pênaltis. Além disso, em outras duas ocasiões contra adversários da chave, a seleção se aproveitou de um bate-rebate em bolas paradas.
Ou seja, metade dos gols surgiram de aleatoriedades. A derrota por 3 a 0 na estreia contra a Áustria foi o único jogo na Nations em que as bolas paradas não representaram mais de 75% dos gols esperados pela Croácia. Essa estatística mostra uma confiança impressionante nesse tipo de jogada, muito por conta da falta de um plano de jogo de Dalić, além de "toca para o Modrić que ele resolve".
A Croácia é previsível, com quase metade de todas as suas jogadas construídas após a Euro 2020 sendo pelo lado esquerdo (47,5%).
Para uma equipe com alguns dos melhores passados das grandes ligas europeias, como Brozović, Kovačić e Modrić, a falta de jogadas pelo meio é decepcionante.
Também vale a pena ficar de olho na Croácia neste grupo em especial, com Bélgica, Marrocos e Canadá atuando com três zagueiros em partidas recentes, e os croatas sofrendo contra o 3-5-2 da Áustria na Liga das Nações. A lanterna foi responsável por duas das três ocasiões pós-Euro nas quais a Croácia perdeu a batalha dos gols esperados (xG).
Time titular
Livaković; Juranović, Erlić, Gvardiol e Sosa; Brozović, Modrić e Kovačić; Pašalić, Kramarić e Perišić.
Este é um time construído em torno do trio de meio-campistas, embora Kovačić ainda não tenha estourado na seleção. Após começar a jogar na lateral esquerda na última temporada, o cobiçado Joško Gvardiol parece pronto para atuar na zaga.
No gol, há dúvidas graças às atuações seguras de Ivica Ivušić — a principal delas ao não ser vazado contra a França, fora de casa. Na ponta direita, Lovro Majer, do Rennes, corre por fora.
O que persiste é a ausência de um artilheiro no comando do ataque. Antes da Eurocopa 2020 (disputada em 2021), Andrej Kramarić se destacou ao marcar 20 gols na Bundesliga 2020/21. Agora ele não está nem perto daqueles números, aumentando a pressão sobre Dalić para encontrar um papel adequado para o jogador do Hoffenheim (que, segundo o próprio, não é o centroavante).
Kramarić teve todas as chances de se firmar nas Eliminatórias, mas não conseguiu. Na Liga das Nações, ele alternou a titularidade com Ante Budimir, e deu apenas um chute de dentro da área e um passe para finalização em 250 minutos em campo. Não se surpreenda se Marko Livaja, craque da última temporada do futebol croata, com 32 gols, passar à frente de ambos.
Briga por posição
Os dados defensivos citados acima se tornam ainda mais impressionantes quando consideramos que Dalić escalou nove duplas de zaga diferentes em 13 jogos por competições desde a Eurocopa. Inicialmente, o treinador parecia decidido a manter Dejan Lovren e Domagoj Vida, mas os veteranos provaram estar em decadência.
Vida dificilmente terá chance após sofrer com a França em junho, mas Lovren, capitão do Zenit, não vai se contentar facilmente como banco de reservas. Dito isso, tanto Martin Erlić (24) quanto Josip Šutalo (22) deixaram ótima impressão nas visitas à França e à Dinamarca. O desempenho deu uma boa dor de cabeça para Dalić, que não deve barrar Lovren e Gvardiol ao mesmo tempo. Šutalo, o melhor zagueiro do país em 2021/22, segundo o Wyscout Index, pode conseguir uma vaga devido à sua fase atual.
Como Dalić deve tentar complementar as habilidades de Gvardiol — zagueiro capaz de carregar a bola e dar lançamentos longos —, ele pode preferir Erlić, que bloqueia muitas finalizações e oferece perigo nas bolas paradas ofensivas.
Previsão
A Croácia terá vida dura contra três adversários complicados. O grupo pode dar muita dor de cabeça pelos lados do campo, com o craque do Canadá, Alphonso Davies, enfrentando Juranović e os pontas croatas. Já Achraf Hakimi, lateral do Marrocos, deve encarar um lado esquerdo da defesa pouco experimentado em grandes torneios.
No fim das contas, os atuais vice-campeões sofrerão uma eliminação surpreendente na fase de grupos, após um empate sem gols com o Marrocos, um empate decepcionante em 1 a 1 com o Canadá e uma derrota para a Bélgica.