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Árbitra da Superliga dispara contra decisão da CBV: "Imposição injusta e obscena"

Árbitra da Superliga dispara contra decisão da CBV: "Imposição injusta e obscena"
Árbitra da Superliga dispara contra decisão da CBV: "Imposição injusta e obscena"CBV - Divulgação
Uma voz solitária mas, ao mesmo tempo, representativa. Árbitra da Superliga desde 2004, atuando no maior torneio de vôlei do país desde 1998, Débora Regina Santos da Silva não teve receio algum ao manifestar seu descontentamento com a postura da CBV em relação aos árbitros da competição. 

Recentemente, ela foi impedida de comandar um dos duelos da Superliga, marcado para 16 de dezembro, sendo apenas informada pelo diretor de arbitragem da Federação de Vôlei do Rio de Janeiro que seu nome não havia sido aprovado pela Confederação Brasileira de Vôlei. O motivo? Na última temporada, Débora se recusou a apitar jogos do torneio por não concordar com o contrato feito pela CBV junto aos árbitros. 

A entidade que rege o vôlei brasileiro, mesmo recebendo cotas de patrocínio da Sky, que estampa sua marca nos uniformes dos árbitros, não repassou, nos anos de contrato, nenhum valor a estes profissionais e nem mesmo realizou algum tipo de investimento para melhoria do trabalho de quem comanda os jogos. 

Na atual temporada, a CBV não teve permissão para assinar cotas de patrocínio, fazendo com que Débora se dispusesse a comandar partidas novamente. Logo na primeira chance que apareceu, ela não recebeu permissão para tal.

"É fato que existem represálias. Se você é contra a estrutura, vai sofrer com isso. Não fiquei surpresa, já esperava e sei como funciona. Se alguém abrir a boca, não será escalado", conta a também professora de educação física e bancária. Débora foi a primeira (e possivelmente única) a colocar a "boca no trombone" e se revoltar com os descasos da CBV junto à arbitragem. Ela concedeu entrevista exclusiva ao Flashscore para falar mais sobre este assunto. 

Débora se recusou a apitar jogos da Superliga por não concordar com o contrato feito pela CBV junto aos árbitros
Débora se recusou a apitar jogos da Superliga por não concordar com o contrato feito pela CBV junto aos árbitrosDivulgação

Confira:

Por que você tomou, na última temporada, a decisão de não apitar mais?

Eu discordava do contrato imposto aos árbitros, um contrato sem reajuste. A CBV recebia patrocínio, ficava com toda a verba e não repassava nenhum valor aos árbitros, sendo exigido destes que cedessem gratuitamente seus direitos de imagem. Achei isso imoral e decidi não apitar mais, algo que eu já pensava há alguns anos.

Por que mudou de ideia e resolver apitar nesta temporada?

Neste ano, não teve este contrato entre CBV e Sky, algo que me impedia de apitar. Quando a federação do meu Estado resolveu me escalar, o diretor do quadro de árbitros recebeu ligação da Cobrav (Comissão Brasileira de Árbitros de Vôlei) informando que a CBV não aceitava a minha escala. Sigo sem saber o motivo, não me foi passado nada, nenhum comunicado ou nota informando algum tipo de suspensão ou exclusão. Apenas não posso mais atuar e ponto final.

Em 2021, o Sintrace (Sindicato dos Trabalhadores e Colaboradores da Arbitragem), mesmo sem árbitros da Superliga filiados e representados, entrou com processo contra a CBV pleiteando R$ 1,5 milhão pelo fato da entidade não ter pago os direitos de imagem dos árbitros nos últimos quatro anos, quando a CBV obrigou os árbitros a usarem uniformes com a logo da Sky, sem repassar qualquer quantia aos donos do apito.

O acordo veio neste ano, somente. O pedido caiu para R$ 800 mil antes de um acordo ser fechado em R$ 200 mil. Deste valor, R$ 40 mil foi para o sindicato e os R$ 160 mil restantes foram divididos entre árbitros que, na teoria, trabalharam na Superliga. A CBV forneceu lista aleatória para o Sintrace. Entre os nomes, árbitros que não apitavam a Superliga há mais de 10 anos, árbitros que apitaram apenas um jogo na temporada e até mesmo falecidos.

O valor recebido por cada um dos indicados foi o mesmo: R$ 86,02, com valores de INSS sendo descontados, assim como a contribuição sindical. Isso é quanto vale o direito de imagem de um árbitro de vôlei no Brasil: R$ 86,02. O mais curioso é que nem CBV nem Sintrace tinham procuração para fechar acordo em nome dos árbitros. Não teve base para este acordo.

Nota da reportagem: Fizemos contato com o Sintrace para obter informações a respeito do caso. Foi enviado documento informando que a entrada do processo na Justiça se deu no dia 26 de setembro de 2021, com o órgão pedindo valor de R$ 1,150 milhão à CBV.  O acordo final foi, realmente, de R$ 200 mil. O sindicato informa que representou somente os árbitros do Rio de Janeiro, possuindo carta sindical para representar os interesses profissionais e econômicos da classe.

O objetivo era reivindicar a independência do direito de imagem da classe. Segundo a entidade, o valor recebido foi repassado para os árbitros de todo país indicados pela CBV. Perguntado se os árbitros seguiam na ativa, a resposta foi de que "para o sindicato é indiferente. Não estão todos ativos". A CBV requereu discutir o acordo novamente e novos desdobramentos podem acontecer.

Débora reclamou da falta de atenção da CBV com os árbitros
Débora reclamou da falta de atenção da CBV com os árbitrosDivulgação

Teve algum fato pra ter a certeza que esta era a melhor decisão a ser tomada?

O fato já está explicado. Foi uma decisão consciente, estou em paz com ela. Como diz o ditado: "os incomodados que se mudem". Se todos aceitam a situação, então eu que deveria estar errada.

Quais os maiores erros que a CBV comete em relação aos árbitros?

Minha relação com a CBV e com a Cobrav é ruim porque, há muitos anos, eu cobro coisas que nunca aconteceram. Seria importante termos cursos de reciclagem e de aperfeiçoamento, algum tipo de feedback e avaliações, observações das arbitragens, reuniões regulares. Tudo isso simplesmente não existe. Não temos reuniões de padronizações.

A Superliga começou sem uma simples reunião entre os árbitros, mesmo com diversos erros sendo cometidos na última Superliga, isso somente nos jogos com TV. Se formos falar nos jogos sem TV então, o número é maior ainda. De uma temporada para a outra, se esquece o que aconteceu e deixa-se que os novos erros aconteçam até que sejam esquecidos novamente. Não existe ação efetiva para melhoria da qualidade técnica dos árbitros, não existe investimento ou preocupação com a arbitragem.

A CBV faz uma competição e quer cobrar que os árbitros sejam profissionais e competentes, que sejam eficientes, sendo que não existe suporte para eles, seja ele psicológico, técnico ou de remuneração decente.

Débora não acredita que colegas de arbitragem vão tomar atitude parecida com a sua
Débora não acredita que colegas de arbitragem vão tomar atitude parecida com a sua Divulgação - CBV

O que poderia melhorar? O que a CBV poderia fazer, tanto agora como nos últimos anos?

A CBV nunca defende os árbitros, ela não tem este interesse. Poderia investir em cursos de aprimoramento, criar uma categoria de observadores e instrutores para acompanhar os árbitros para que eles possam dar feedback e realizar avaliações.

Os erros são importantes de serem vistos e usados como exemplos para a melhoria da arbitragem. Ninguém trabalha para a evolução da modalidade, cada um só defende o próprio interesse, sem pensar, por exemplo, nos mais velhos "passando o bastão" para os mais novos. Cada um fica ali "roendo o osso" até a hora de sair, sem preocupação com sucessão.

Se orgulha de ser uma das únicas que tomou esta decisão?

Me orgulho de ter tomado a decisão que tomei baseada na minha consciência. Se os outros acham que está bom, não me cabe julgar. Minha consciência não me permitiu assinar um contrato imposto de forma injusta, obscena e imoral. Cada um tem seu motivo para seguir apitando, cada um sabe onde seu calo aperta. O que acontece há anos são imposições e descasos da CBV. As coisas são aceitas e não vemos mudanças.

Lamenta pelos árbitros que seguem convivendo com descaso da CBV?

Eu lamento pelo descaso, lamento por termos ginásios sem vestiário de arbitragem, pela má remuneração imposta, pela falta de condições, pela falta de prepado e apoio. Parece que eu sou a única a falar e lamentar por tudo isso.

Existe um certo tipo de medo ou receio temendo represálias?

É fato que existem represálias. O fato que aconteceu comigo é prova disso. Foi uma consequência por ter contestado puiblicamente as atitudes tomadas contra os árbitros. Se você vai contra a estrutura, pode ter certeza que será punido. Eu já contava com isso e não fiquei surpresa, é assim que funciona. Ninguém fala nada, se falar não será escalado. Quem joga o jogo e não quer ficar de fora, não se manifesta.

Acha que sua atitude pode motivar outros a tomar a mesma decisão?

Não, meus colegas vão seguir aceitando o que é imposto. Não sei se por necessidade, por vaidade, por vontade própria, cada um tem seus motivos. No íntimo, todos sabem que está errado. A cobrança é desproporcional ao suporte oferecido aos árbitros. Vou seguir sozinha nessa caminhada. Eu não tinha dúvida de que não passaria impune. Considero uma covardia o que fizeram. Se eu infringi algum código de conduta, que me deixem ciente de forma oficial, com um email, comunicado. Seria a maneira correta de justificar a decisão e permitir um direito de defesa.

Procurada pela reportagem, a CBV não respondeu aos questionamentos e se limitou a enviar uma nota. Confira abaixo o comunicado enviado:

A CBV cumprirá todas as determinações da Justiça que resultam da ação civil pública movida Sintrace. Como determinado em juízo, haverá pagamento de valor indenizatório por meio do referido Sindicato, e todos os árbitros pertencentes aos quadros da CBV serão beneficiados, independentemente do estado/Federação. Importante ainda destacar que a CBV também não receberá qualquer tipo de valor em negociações futuras com terceiros que envolvam propriedades relacionada aos árbitros, ficando os mesmos com 100% dos valores negociados.

O repasse integral à Cobrav já era realizado durante a vigência do contrato com a Sky.Ressaltamos que a preocupação com a formação e o desenvolvimento dos árbitros é constante. Somente em 2022, a Cobrav realizou 18 avaliações de promoção de categoria (nove de árbitro regional para aspirante à nacional, e nove de árbitro aspirante à nacional para nacional); 25 cursos de formação de árbitros e apontadores (14 de quadra e 11 de praia); clínicas de vôlei de praia durante as etapas do Circuito Brasileiro adulto e de base; além da elaboração de material de apoio, como a Padronização Administrativa e Técnica da Arbitragem 2022/2023 e o Guia de Utilização da Súmula Eletrônica.