De jaguar a puma: a ascensão da Argentina a força do rugby mundial

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De jaguar a puma: a ascensão da Argentina a força do rugby mundial

Os Pumas celebram vitória no teste contra a Escócia, em Santiago Del Estero, em julho deste ano
Os Pumas celebram vitória no teste contra a Escócia, em Santiago Del Estero, em julho deste anoProfimedia
A Argentina teve atuações de gala no Campeonato de Rugby deste ano, apesar de ter terminado em último lugar. Uma rápida olhada na classificação final do Campeonato lhe contará uma história, mas não toda a história.

Você vai ver que os All Blacks ganharam novamente (chocante!), a África do Sul chegou perto do segundo lugar (típico), a Austrália se saiu bem em alguns jogos (suspiro), e a Argentina conquistou mais uma lanterninha.

O que os números não contam é o quão emocionante, competitivo e de alta velocidade foi o campeonato deste ano. Um dos melhores de todos os tempos, o Campeonato poderia ter sido ganho por qualquer das equipes até a última rodada.

Veja a tabela final do Campeonato de Rugby 2022

Parecia mesmo que cada equipe poderia vencer a outra a qualquer momento. Isso se deu porque os All Blacks sofreram no início da série e, igualmente, porque a Argentina continua sua ascensão como uma força do esporte para rivalizar com os campeões mundiais.

O resultado mais notável da competição foi, certamente, a primeira vitória dos Pumas na Nova Zelândia, quando superaram os All Blacks em Christchurch por 25x18.

Olhando só para a tabela, não dá para ver o quão importante foi esse resultado. Pois o que a tabela não conta é que a vitória foi um marco gigante para uma das seleções de rugby que mais cresceu nos últimos anos.

Foi um resultado surpreendente e uma anomalia histórica na história do rúgbi neozelandês, mas para a Argentina foi um sucesso vinha por muito tempo em construção. Não foi, como pode parecer, uma zebra. Foi, ao contrário, o fruto de estratégias postas em marcha anos atrás.

Pumas atacam no cenário internacional

Os Pumas vêm incomodando a tradicional ordem mundial do rugby já há algum tempo. Suas aparições na Copa do Mundo têm sido atraentes e provam que os argentinos têm sido competitivos por mais de duas décadas. Os Pumas passaram da fase grupos em quatro das últimas seis Copas.

1999 foi a primeira vez que eles passaram das quartas-de-final e depois, em 2007 e 2015, chegaram às semifinais. Além disso, em 2007, a Argentina ficou em terceiro lugar – sua melhor colocação na história. A última Copa do Mundo foi exceção, já que o time saiu na fase de grupos, mas o histórico dos Pumas mostra que eles têm brigado por protagonismo no cenário mundial.

E a Argentina conseguiu chegar neste nível mesmo sendo, por muito tempo, a única seleção de ponta do rugby a não disputar uma competição internacional anual de alto nível. Enquanto as nações europeias jogam o Six Nations e as três grandes do hemisfério sul disputavam o Tri-Nations a Argentina não tinha nada comparável durante grande parte de sua história.

O time esteve sempre um continente distante do duplo epicentro do rugby profissional. Depois das impressionantes façanhas na Copa do Mundo, os Pumas finalmente entraram em uma competição de alto nível: em 2012, a Argentina uniu forças com a África do Sul, Nova Zelândia e Austrália (SANZAR) para formar o Campeonato de Rugby. Assim, a competição anual do hemisfério sul expandiu-se de três para quatro nações e virou “SANZAAR”.

Desde então, os Pumas foram, de longe, os piores das quatro seleções no geral, mas conseguiram sempre melhorar seu desempenho. Em 11 anos, eles só ganharam um total de nove partidas (de 58) contra seus adversários do hemisfério.

Este histórico à primeira vista parece fracasso. Mas tenha em mente que a briga é contra os três cachorros grandes do esporte. E nos últimos anos, os Pumas alcançaram voos mais altos.

Em 2020 eles venceram os All Blacks pela primeira vez, em terreno neutro, em Sydney. Neste ano os argentinos derrotaram os neozelandeses novamente, e pela primeira vez na casa dos All Blacks. Além disso, o torneio deste ano também viu a Argentina vencer a Austrália pela maior margem da história: 48 a 17 em San Juan, garantindo um ponto bônus.

Com a mão na taça

Entrando nas duas últimas rodadas do torneio deste ano, os Pumas tiveram uma chance real de conseguir algo mais do que outra lanterna. Tiveram chance até de conquistar seu primeiro título. Todas as quatro equipes haviam ganhado duas e perdido duas naquela etapa da competição.

Nas duas rodadas finais, a Argentina jogou duas vezes contra a África do Sul, primeiro em casa e depois fora, em Durban. Em Buenos Aires, o time da casa foi superado por 36x20.

No sábado passado em Durban, a indisciplina realmente prejudicou os Pumas, pois eles levaram quatro cartões amarelos e concederam dois pênaltis em um jogo em que colocaram o time da casa sob pressão. O jogo terminou 38x21, sendo que a diferença era de apenas cinco pontos até os 10 minutos finais. Mais uma vez, o resultado final não conta a história toda.

Os Pumas certamente lamentarão a chance perdida nos dois últimos jogos da competição, mas mesmo assim, eles podem olhar para o Campeonato de Rúgbi deste ano com orgulho, e como possivelmente o melhor de todos os tempos em termos de desempenho.

Sem dúvida, participar do Campeonato de Rúgbi e participar de uma competição internacional de rúgbi consistente teve um papel fundamental para transformar a Argentina em uma equipe competitiva nos últimos anos, mas esse não é o único fator.

O curto sucesso dos Jaguares

A localização da Argentina longe dos tradicionais centros do rugby sempre foi um problema para o desenvolvimento de seu jogo. As principais respostas a esta questão foram duas. Primeiro, como contado acima, rolou a petição para aderir e expandir o Tri-Nations. Mas também, as coisas tinham que mudar para permitir que mais jogadores na Argentina tivessem acesso a um clube de alto nível.

Os jogadores do país não têm acesso a uma liga local totalmente profissional e por isso, historicamente, têm procurado principalmente a Europa continental e as Ilhas Britânicas para desenvolver suas carreiras. Em um esforço para mudar isto, a União Argentina de Rugby (UAR) buscou incluir um time argentino nas competições nacionais de franquia SANZARs - Super Rugby.

Assim surgiu a Jaguares. Uma equipe profissional baseada em Buenos Aires que a UAR solicitou para ser incluída na competição de franquias Super Rugby. Em 2016, eles entraram no torneio pela primeira vez e participaram até o final da edição de 2020, antes que as mudanças na competição os obrigassem a sair novamente.

Participar da Super Rugby foi uma grande vantagem para o rugby argentino e a equipe foi uma história de sucesso absoluto, chegando até ao vice-campeonato em 2019.

A participação da Jaguares no torneio permitiu que a Argentina tivesse o que era essencialmente uma equipe de desenvolvimento profissional, com a marca de uma franquia, jogando em uma competição de rugby de primeira linha. Isto significou que a Argentina teve seus melhores atletas jogando melhor rúgbi por mais tempo no ano, competindo com os melhores jogadores do hemisfério sul e depois ainda competindo em alto nível na seleção no Campeonato de Rugby.

Os jogadores da Jaguares formaram o grosso do plantel argentino (ou vice-versa) durante os anos em que jogou de Super Rugby. De fato, em seu ano de início, quase todo o plantel argentino veio do Jaguares. Era praticamente a mesma equipe, com algumas exceções.

Com o sucesso do Jaguares, mais e mais jogadores associados à equipe se transferiram para clubes europeus de destaque, o que permitiu que o time de Buenos Aires buscasse mais talentos para a equipe.

Infelizmente, a pandemia viu o Super Rugby se transformar e se regionalizar. Os times sul-africanos agora se separaram completamente e se juntaram ao Campeonato Unido de Rugby (URC). A Super Rugby foi relançada como uma competição composta apenas pelas franquias australianas e neozelandesas das antigas mais duas novas equipes baseadas no Pacífico, infelizmente não deixando lugar para o Jaguares.

Como resultado, houve um grande êxodo de jogadores argentinos para clubes europeus. Ironicamente, isto significou um retorno dos jogadores argentinos aos destinos que a seleção nacional uma vez utilizou para atrair muitos de seus melhores talentos.

Embora possa parecer uma espécie de retrocesso, a situação tem nuances interessantes. Há agora uma presença muito maior de jogadores argentinos nos principais clubes da Europa graças, em parte, à curta existência do Jaguares e, por sua vez, à exposição de talentos locais no cenário global.

Agora quase todos os argentinos da seleção jogam em clubes europeus. A notável exceção é a do atacante Pablo Matera (29), que permaneceu no reino da Super Rugby depois de assinar com os Crusaders - mais um exemplo de Pumas abrindo novos caminhos.

O efeito Cheika

Outro trunfo recente do rugby argentino foi a contratação do australiano Michael Cheika (55) como treinador principal da seleção. A chegada do antigo chefe dos Wallabies no início deste ano fez com que os Pumas passassem a um outro nível em termos de intensidade e consistência.

Após uma carreira de grande sucesso como treinador de clubes como Leinster, Stade Francais e o NSW Waratahs, Cheika foi nomeado treinador dos Wallabies em 2014 e permaneceu no cargo por cinco anos, disputando duas Copas do Mundo. Em 2015, ele levou seu país ao vice-campeonato mundial.

Depois de sustentar a Austrália como uma das três melhores nações do mundo por algum tempo, o ranking mundial dos Wallabies caiu constantemente durante todo o seu mandato até o nono lugar. A Copa do Mundo de 2019 terminou com uma derrota nas quartas-de-final para a Inglaterra – o que custou o posto do treinador.

Apesar de um final decepcionante em sua carreira de Wallabies, Chieka continuou sendo uma figura importante no mundo do rugby. Após ingressar inicialmente na Argentina em um papel consultivo em 2020, ele foi nomeado treinador principal em março deste ano até o final da Copa do Mundo do próximo ano.

Desde então, Cheika supervisionou a série de três jogos contra a Escócia, que a Argentina venceu por 2x1 com uma dramática vitória no último jogo no terceiro teste, e o Campeonato de Rúgbi deste ano.

O efeito Cheika é real e fonte de enorme entusiasmo pelo que virá no próximo ano.

Com um treinador de elite a bordo e alguns resultados recentes memoráveis, esta equipe do Pumas parece mais forte do que as anteriores. O sucesso que eles tiveram nesta temporada é o culminar de estratégias de longo prazo estabelecidas há anos para ampliar o profissionalismo e, assim, melhorar os resultados nos gramados. O futuro parece brilhante à medida que os frutos do trabalho continuam a florescer.

O próximo teste será os internacionais de outono.

Depois de enfrentar o Japão no final de outubro, eles vão para a Europa em novembro para pegar a Inglaterra, o País de Gales e depois a Escócia, no que serão certamente encontros difíceis e emocionantes. Com a Copa do Mundo de Rúgbi na França ainda a um ano de distância, há muito tempo para a Argentina aperfeiçoar e desenvolver ainda mais a equipe.

Com essa fome toda, quem sabe uma final de Copa seja o próximo destino dos Pumas.