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Entrevista exclusiva com César Luis Menotti: "Mbappé é, agora, melhor do que Messi"

Antonio Moschella, André Guerra
Menotti é, atualmente, diretor-geral da seleção argentina, cargo que ocupa desde janeiro de 2019
Menotti é, atualmente, diretor-geral da seleção argentina, cargo que ocupa desde janeiro de 2019Profimedia
No ruidoso e vibrante microcentro de Buenos Aires, todos os dias é possível reconhecer uma silhueta familiar a tomar um café no bar habitual. É César Luis Menotti, ex-jogador, treinador campeão da Copa do Mundo de 1978 pela Argentina e atualmente diretor-geral da seleção do seu país, cargo que ocupa desde janeiro de 2019. Quando se trata de futebol, poucas vozes são tão autoritárias como a sua. Nostálgico dos tempos em que o futebol não era apenas um negócio, o argentino analisa a atmosfera no seu país antes da grande final da Copa contra a França, neste domingo, às 12h (horário de Brasília). Para ele, o adversário argentino conta com o melhor jogador do mundo no momento, superando Messi.

Tem acompanhado a Copa do Catar?

De 1970 a 2018 vi todos as Copas presencialmente. A primeira vez no México, em 1970 fui com os poucos meios que tinha, porque não tinha dinheiro. Mas este ano decidi não ir ao Catar, porque para mim não é um cenário adequado para um Mundial. A Copa deve ser disputada na Itália, na Argentina, na Alemanha...Ver campeões como Messi jogar no Catar é como ver Astor Piazzolla dar um concerto num bar de bairro. É uma Copa muito triste, não estou gostando deste espetáculo. Falta contexto cultural ao Catar para apreciar realmente o que o futebol tem para oferecer.

É uma questão de acústica, poderíamos dizer.

Exatamente. Imagine um verdadeiro estádio, com verdadeiros torcedores. As pessoas no Catar não são fãs de futebol, são pessoas que consomem negócios, que consomem qualquer produto que lhes seja posto à frente. Mas a acústica de um teatro como o Colón (local histórico de Buenos Aires) não é como a de um bar de bairro. E a música de qualidade precisa de acústica de qualidade. O mesmo se aplica ao futebol. E quem assiste aos jogos da Copa é simplesmente uma audiência, não um grupo de torcedores. Esta é uma diferença importante. Estas não são pessoas que apreciam o jogo. Também porque, sejamos honestos, os torcedores de futebol não são ricos. Aqueles que estão hoje no Catar são turistas que passam o seu tempo vendo os jogos.

sua Argentina parece ter finalmente acertado o passo.

Continuo a pensar na música. O futebol é como a música, a primeira coisa que se deve ter numa orquestra são os músicos, que devem ser bons. Mas se a partitura é medíocre, até os bons músicos sofrem. A Argentina tem músicos de qualidade e encontrou um maestro, Scaloni, que compreendeu quais eram as características dos seus músicos e conseguiu criar uma orquestra compacta e afinada. Mas longe de mim pensar que a Argentina é a melhor orquestra do mundo. É uma orquestra afinada que tem um salto quântico num individualista excecional, que é obviamente Messi. Mas ele não poderia fazer o que faz sozinho.

Qual instrumento toca Messi?

Todos. Ele é o grande músico que a Argentina tem.

Qual tipo de Copa estamos acompanhando?

O futebol está a experimentar uma decadência espantosa. É a primeira vez na história da Copa que não se conhecem os jogadores das equipes. Antes sabia-se que a Alemanha tinha Beckenbauer, hoje quem conhece o líder da Alemanha? Para além de Messi, Modric e Mbappé, quantos são realmente conhecidos? E tudo isto é uma consequência do fato de as seleções nacionais serem um negócio.

Notou algum progresso tático nesta Copa?

Não. Os treinadores definem-se pela sua concepção de futebol através de quatro parâmetros: defesa, recuperação de bola, gestão e definição. É muito difícil desenvolver bem mais do que uma característica ao mais alto nível. No entanto, é simples: o mais importante no futebol é a bola. Por exemplo, o Brasil dos anos 70, aquele com os cinco "10", praticamente não precisava de pessoas para recuperar, porque a equipe jogava num espaço apertado. Aquela Copa foi a minha primeira, a vi graças ao meu sogro, que me deu um cartão Diners. Esse Brasil era um time imbatível e irrepetível, a melhor seleção que já vi na minha vida.

Hoje é mais importante recuperar a bola ou defender?

Nem sempre é necessário ter jogadores responsáveis por roubar a bola, como Clodoaldo foi no Santos e no Brasil. Para recuperar a bola, pode usar uma técnica de redução de espaços. Portanto, penso que defender é muito mais difícil, porque para recuperar também pode arriscar uma falta. Mas, no momento em que se defende mais perto da área, corre-se o risco de fazer um pênalti. Além disso, hoje fala-se muito de 4-3-3, 4-4-2. Para mim, não passam de números de telefone. Lembro-me que Pelé perguntou uma vez aos jornalistas: "Como podem definir a nossa tática por 4-4-2?".

Falando de Pelé, o tombo do Brasil foi estrondoso.

O Brasil está a atravessar um período difícil há já algum tempo. E agora que não tem líder, não conseguiu compensar a sua falta de objetividade técnica. Além disso, Neymar não está no seu melhor momento. O mesmo aconteceu com o Uruguai. A representatividade da seleção nacional perdeu-se. Muitos jogos com os clubes e muito pouco empenho nas concentrações. E esta crise manifesta-se na eliminação da Alemanha e também na ausência da Itália.

Oito anos mais tarde, a Argentina está de volta à final. Jogar em Doha não é o mesmo que jogar no Rio de Janeiro...

É aqui que se pode ver a decadência do futebol. Vencer no Maracanã teria sido algo completamente diferente.

Aqui na Argentina fala-se muito da "maradonização" de Messi, tanto pelo que ele fez no campo como pelo que faz fora dele.

Eles não têm nada a ver um com o outro. Treinei Diego durante seis anos e, antes de ele se tornar viciado em cocaína, era sempre um cavalheiro com todos. Depois as coisas correram como correram. A diferença entre os dois é de caráter. Messi é ingênuo, ele não tem o caráter do homem de rua. Agora, aos 35 anos, ele começa a ter certos comportamentos que nunca teve. Mas Messi não é da Argentina, foi viver em Barcelona quando tinha 12 anos. Depois do jogo com a Holanda, ele fez aquele teatrinho...

A final será contra a França.

A equipe que mais gostei até agora em termos de jogo. Para mim, é a melhor seleção da Copa. Tem um jogo criativo e livre, é um tipo de orquestra que me faz lembrar o futebol de muito tempo atrás. Griezmann é um jogador de outra época, e vejo-o feliz quando joga pela seleção. 

A estrela, no entanto, é Kylian Mbappé.

Ele é uma máquina, um jogador de puta madre. Dizem que ele faz muitas fintas e movimentos, mas eu não me importo, gosto dele e, para mim, joga muito bem. Hoje, é o melhor do mundo. Hoje, numa equipe, Mbappé oferece algo mais do que Messi. Ele é corajoso, astuto, ele inventa jogadas...

Como vê o jogo de domingo?

Tem o potencial de ser um grande jogo. Difícil para os dois lados. 

Você disse que a França é o time que mais gosta. Mas o apoio à Argentina deve ser incondicional...

Claro, mas não gostaria que eles ganhassem sem merecerem. Não me entusiasma ganhar se não houver mérito. E merecer vem de ser melhor no campo, ser honrado, não ser miserável. Aqui na Argentina todos crescemos com a felicidade de poder chutar uma bola. Hoje tudo é um negócio, mas não devemos esquecer de onde viemos. Quero que a Argentina jogue bem. E se tenho de explicar o que é jogar bem, significa que aqueles que me perguntam não são torcedores de futebol.