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Exclusivo: Brasileira "rainha do mercado da bola" conta como é negociar astros do futebol

A super-agente na cerimônia do Golden Boy 2022
A super-agente na cerimônia do Golden Boy 2022Profimedia
Erling Haaland, Paul Pogba, Matthijs de Ligt: são todos dela. Rafaela Pimenta é uma das agentes mais influentes do mundo do futebol. Em entrevista exclusiva ao Flashscore, a brasileira conta, de forma bem-humorada e simpática, o seu cotidiano, os craques que negocia, o preconceito que enfrenta na profissão e, claro, fala de futebol.

Ex-advogada, Rafaela herdou todos os clientes do lendário super-agente italiano Mino Raiola, que faleceu em 2022. Hoje ela tem uma carteira de mais de 50 atletas.

Rafaela falou com o Flashscore direto de Bucareste, onde estava a trabalho, antes de partir para a Euro 2024.

Rafaela Pimenta é uma super-agente do futebol
Rafaela Pimenta é uma super-agente do futebolProfimedia

Como você chegou ao futebol? Como a jovem advogada brasileira se associou a Mino Raiola? 

Eu sorrio quando olho para trás porque as coisas aconteceram um pouco por acaso. Como disse, sou licenciada em Direito e, na altura, dava aulas de Direito Internacional no Brasil. Um dia, um amigo me convidou para trabalhar com ele. Essa pessoa queria entrar no futebol e precisava de alguém que conhece as leis, contratos e tudo o que tivesse a ver com o aspeto jurídico.

E disse-me: 'vou me encontrar com um cliente estrangeiro'. Eu tinha acabado de sair da universidade. Então fui à reunião e, quando cheguei, percebi que era uma reunião com a empresa que pertencia, na altura, ao Rivaldo e ao César Sampaio. Eles estavam criando um clube de futebol e queriam fazer transferências para o exterior. Tinham acordos incipientes com europeus. E, entre eles, estava o Mino (Raiola). Foi aí que o conheci.

E eu lembro-me que o Mino queria entender a lei do futebol brasileiro. Eu me apresentei e comecei a explicar, mas ele contestava tudo. Dizia: 'Não, não é assim, você não pode fazer isso' e assim por diante. Cheguei à conclusão de que o Mino conhecia a lei brasileira - na opinião dele - melhor do que eu. Então eu fui embora. Uma decisão bastante acertada, porque foi por causa disso que o Mino contactou-me novamente.

Quase um ano depois, ele voltou a me encontrar quando eu estava trabalhando para o governo brasileiro. Lembro-me como se fosse ontem (risos)... Eu estava em Brasília. Perguntei-lhe porque ele queria falar comigo, já que conhecia a lei brasileira muito melhor do que eu (risos). E ele respondeu: 'Não... porque, de fato, você foi a única que me disse 'não'. Todas as pessoas que eu conhecia no Brasil diziam 'sim, sim, sim, tudo bem, tudo bem'. Foi assim que me convenceram a investir lá. Mas como você disse 'não', eu fiquei interessado em trabalhar com você. Pode me ajudar?'

Eu disse: 'Claro que posso ajudá-lo, mas só se me ouvir. Se não me quiser ouvir, não posso fazer nada. Sou apenas uma advogada'. Ele concordou e começamos a trabalhar juntos. Eu lhe disse: 'Trabalho para o Estado e não estou totalmente disponível como gostaria'... Ele me disse que seria 'de vez em quando' que poderíamos falar. Eu disse 'ok'. E esse famoso 'de vez em quando' chegou num belo domingo. Estava dormindo quando me ligaram: 'Olá Rafaela, estou transferindo um jogador para a Argentina. Pode ir com ele? É muito longe para mim'.

Eu disse que era complicado, que nunca tinha feito uma transferência. E depois ele me disse: 'Está tudo tratado, não se preocupe. Só precisa ir com o jogador, verificar se está tudo bem, se o acordo está em vigor e se está tudo bem'. Concordei, viajei com o jogador, fomos para a Argentina. Depois percebi que nada tinha sido feito. Não havia acordo, contrato, tudo ainda precisava ser feito. Telefonei ao Mino para lhe explicar, ele não acreditou e eu lhe disse que ia encontrar uma solução. E foi o que fiz. O jogador foi transferido para o Boca Juniors. Essa foi a minha primeira experiência no mundo do futebol, e devo dizer que foi extremamente intensa.

O jornal Le Monde disse uma vez que "Rafaela Pimenta gosta tanto de discrição como o seu mentor gostava de exuberância. Fala pouco na imprensa e não é ativa nas redes sociais". A discrição é o primeiro princípio da sua profissão?

Sim, porque é essa a minha formação, é jurídica. A formação jurídica implica a ideia de discrição, confidencialidade e proteção do cliente. É para isso que somos treinados. E quando se vai para estas profissões, é porque se quer cuidar das outras pessoas, trabalhar no seu interesse. É preciso ter uma mentalidade defensiva.

Por isso, sim, para mim, a profissão tem de ter esse lado. Para mim, os prestadores de serviços - porque é isso que nós somos - têm de ter esta discrição como palavra de ordem, tem de fazer parte da nossa profissão. Por exemplo, se eu for ao dentista, não quero que ele exponha a minha vida a todos os colegas e ao mundo inteiro (risos).

Penso que os jogadores habituaram-se a ser expostos pela suas equipes. O espetáculo pertence aos jogadores. Nós, os agentes, estamos lá para garantir que as coisas correm o melhor possível para o nosso jogador. Temos de nos manter na sombra.

Em 2022, você assume o caso do Erling Haaland...

(Interrompe) Isso não é verdade... Anteriormente, foi dito que a empresa tinha sido fundada por Mino (Raiola). Mas isso não é verdade. Fomos os dois que a criamos. Escrevemos os documentos da empresa juntos. Acho isso um pouco machista. Como sabem, estou muito empenhada no feminismo e, na minha opinião, isso deve ser realçado.

Redigimos os estatutos da empresa em conjunto, de mãos dadas. Mais uma vez, nunca encontrarão uma pessoa com tanto respeito e admiração por ele. Isso não existe. Mas, no nosso caso, é importante sublinhar que não foi o homem que fez tudo. Porque não é esse o caso. Como mulher, tenho o dever de esclarecer este assunto. E também é importante porque, na minha opinião, o futebol pode permitir que as mulheres se emancipem. As mulheres têm direito ao seu próprio espaço neste meio.

Haaland se mudou do Dortmund para o City
Haaland se mudou do Dortmund para o CityProfimedia

Voltando à transferência de Haaland para o Mancheste City, pode nos contar sobre os bastidores desta história?

Não posso...E aqui quero insistir na discrição. Haaland é nosso cliente há anos e anos. Fomos nós que fizemos a transferência para o Borussia Dortmund. E, a partir do momento em que o Mino nos deixou, foi como se, de um dia para o outro, eu tivesse de tomar conta dele. Mas não, não foi assim que aconteceu, eu e o Mino fizemos sempre tudo juntos. Não estou a dizer isto pela glória ou pelos elogios. É só para dizer que também devemos ter cuidado quando há uma mulher trabalhando.

Agora, para falar sobre a transferência, acho que esta história não me pertence. Pertence a Erling Haaland. Pertence ao Manchester City. Eu estava lá como conselheira. Posso te dar a minha perspetiva, a minha experiência e o que me afetou. Por exemplo, quando estávamos a fazer esta transferência, foi um período muito difícil para mim... Muito complicado porque o Mino não estava lá. Todas as transferências que fiz na minha vida, fiz com o Mino.

O que vou contar é triste. Porque, na minha perspetiva, a transferência de Haaland teve um sabor agridoce. E porquê? Porque o Mino não estava lá. E eu teria gostado de estar com ele nesse momento, na altura da transferência, na altura da contratação e, sobretudo, na altura do primeiro jogo do Haaland. Esse jogo foi um momento de alegria para todos. Mas, pessoalmente, fiquei com lágrimas nos olhos porque pensava no Mino. E posso dizer o mesmo da transferência de Paul (Pogba) para a Juventus. No dia em que o Paul assinou com a Velha Senhora, comecei a chorar. Porque estava lá todo o clube da Juve, estava o Paul, a sua família, eu própria...mas faltava o Mino. Foram tempos complicados.

Hoje você é a agente mais influente do mundo do futebol. Em 2022, foi eleita a melhor agente de jogadores pelo Tuttosport (graças às transferências de Erling, Paul e De Ligt). Foram muitas barreiras para chegar até aqui? 

No início era muito difícil conseguir que as pessoas nos ouvissem. Lembro-me de quantas horas trabalhávamos. Horas de sacrifício. Na altura, o futebol italiano era o melhor do mundo. E eu e o Mino íamos muitas vezes a um bar perto das instalações do Milan.

Sabíamos que, algumas vezes por dia, pessoas como Galliani vinham a esse bar para beber o seu café. E, como sabe, os cafés italianos são curtos. Vêm e vão-se embora (risos)! Por isso, íamos até lá, íamos até Milão para nos sentarmos nesse bar e esperarmos pela nossa oportunidade. E se essas pessoas passassem, o que durava uma fração de segundo, tínhamos de transformar o nosso "olá" numa oportunidade de sermos recebidos e ouvidos.

Isto do ponto de vista da nossa sociedade, mas há também o ponto de vista das mulheres. Atualmente, as mulheres têm dificuldade em fazer com que os homens as ouçam na nossa atividade. Mas antigamente era pior. Por isso, também foi um longo caminho nesse sentido, para ser respeitada, para ser ouvida, para ser escutada... Por exemplo, quando eu dizia alguma coisa, as pessoas iam ter com Mino para tentar fazer as coisas de forma diferente. Também demorou muito tempo nesse sentido.

É verdade que não há um agente poderoso, mas sim um jogador poderoso? Esta frase é sua. 

Disse isso de propósito, porque gostaria de ver o papel do agente reformulado. Para mim, o agente deve ser um apoio para o seu cliente. Como disse anteriormente, não somos os atores principais deste jogo. Não se pode tirar o poder dos jogadores. E os jogadores têm de compreender que o poder é deles. E quando um jogador usa o seu poder e a sua voz, o futebol torna-se uma ferramenta, um meio de mudar muitas coisas do ponto de vista da sociedade. Se soubermos usar isso, e os jogadores também, podemos ir muito longe. Não gosto quando os agentes querem controlar tudo. Isso transforma-se em manipulação. Não gosto disso, porque pode haver jogadores fracos.

A nossa missão enquanto agentes é também reforçar a posição e o papel dos jogadores para que possam ser independentes. O que eu gosto é quando existe uma verdadeira relação humana entre o jogador e o agente. E, acima de tudo, o que tento evitar a todo o custo é uma relação de "dependência" entre o jogador e o agente. Quando o primeiro pode não saber o que se está a passar com o seu dinheiro ou com a sua carreira. Na minha opinião, isso é inconcebível.

Fale-nos de uma semana típica para Rafaela Pimenta.

Quem me dera poder dizer uma (risos)... Neste momento, estou em Bucareste, cheguei ontem às três da manhã, e vou apanhar outro voo esta noite porque há a abertura da Euro 2024 em Munique...

Não existe uma semana típica nesta atividade. Temos de ser flexíveis e a nossa equipe tem de ser flexível, caso contrário, vamos ficar doidos. E, para além de ser flexível, é preciso ser alegre. Penso que é uma questão de personalidade. Há pessoas que são capazes de enfrentar o inesperado com tranquilidade. 

Você ainda sofre preconceito por ser mulher neste universo?

Tenho uma história recente. Tinha um encontro marcado num país onde falava a língua, mas não dominava a escrita. Por isso, decidi ir à consulta com um advogado local ao meu lado, para o caso de me ter escapado alguma coisa. Tudo correu bem e, no final da reunião, do outro lado da mesa, essas pessoas disseram ao advogado que me acompanhava: 'Preparou-a muito bem para o mundo do futebol...". Não tinham intenção de me insultar, mas não deixou de ser um comentário muito inapropriado.

O advogado em questão ficou vermelho porque o comentário era despropositado, mas também porque essas pessoas pensaram que ele tinha a última palavra à minha frente... Isso é uma grande falta de respeito. Basicamente, está a assumir que uma mulher não entende de futebol? Mesmo quando tentamos ser simpáticos, podemos rapidamente transformar-nos em machismo, infelizmente.

Quando a fama chega, qual conselho você dá aos atletas?

O primeiro conselho que se deve dar a um futebolista é que trabalhe como um louco para ter sucesso, porque não é fácil. O sucesso é uma enorme quantidade de trabalho diário, que vai exigir toda a tua vida e toda a tua energia. É preciso dormir com a bola! E tens de o fazer com o coração, não pelo dinheiro.

As pessoas não gostam quando digo isto, mas nunca conheci um grande campeão que procurasse o dinheiro antes do sucesso esportivo. As medalhas, as taças... para um jogador de futebol, isso é mais importante do que o dinheiro. Por isso, o meu primeiro conselho é que temos de seguir o nosso coração e ir atrás do nosso sonho.

Depois, sim, o próximo conselho é ter cuidado na vida, obviamente, é preciso ter cuidado. É um negócio que atrai muitos aproveitadores, um negócio que atrai muitas pessoas que não querem fazer mais nada para além de viver à volta de um jogador. E há um grande risco de este tipo de pessoas, as que gravitam em torno do mundo do futebol, serem pessoas que só querem fazer o jogador acreditar que é o melhor, que tem sempre razão, que é o mais bonito, que pode fazer o que quiser... Por isso, nunca se deve perder o contato com a realidade. De certa forma, é como viver sob o olhar atento do Big Brother. E se não tivermos cuidado, perdemos o sentido da realidade.

Pode dar três ou quatro conselhos às pessoas que querem entrar no futebol? 

Não é uma profissão em que se tenha sucesso de um dia para o outro. Se as pessoas pensam que vão ficar ricas, estão apenas fantasiando... Mas não é assim tão simples, porque se viaja 300 dias por ano, chega-se às 7 da manhã e sai-se às 8 da noite. Perde-se muito tempo sem a família e os entes queridos. Por isso, prepara-te, prepara-te para conhecer o futebol, para conhecer as leis, os regulamentos, para falar o maior número de línguas possível.

E tenho a impressão de que as pessoas pensam que ser agente é o mesmo que ser advogado, mas não é. É preciso saber de fisiologia, de medicina, de medicina legal, de medicina do trabalho. É preciso saber de nutrição e psicologia, é preciso saber como funciona um campeonato e as regras do jogo. Conhecer a lei não é suficiente. E é preciso ter paixão e vontade de aprender algo novo todos os dias.

Há 30 anos que faço este trabalho e, sempre que posso, faço novos cursos. Neste momento, por exemplo, estou a ler um livro de um psicólogo que fala pela primeira vez das mudanças que ocorreram nos cérebros dos adolescentes que cresceram no mundo digital de hoje, depois de ter recolhido uma enorme quantidade de dados. Porque é que eu quero compreender a mentalidade de um adolescente? Porque é o adolescente que vai ver futebol e é o adolescente que se vai tornar o jogador de futebol de amanhã. Por isso, é preciso aprender coisas que vão para além do futebol. Depois, há regras a seguir. 

Na sua opinião, qual é o principal defeito dos agentes de futebol neste momento?

A principal falha é quando o agente pensa que pode fazer tudo, quando na verdade não pode, porque não sabe tudo. E o seu cliente precisa de vários tipos de conselhos. E não se deve ter medo de abrir a porta a outros consultores. Porque eu não sou uma consultora financeira, por exemplo. No entanto, a minha obrigação é ajudá-los a escolher a pessoa certa para as suas necessidades financeiras. Temos uma rede e temos experiência, podemos apresentar 3 a 4 pessoas e ajudá-los a tomar decisões.

Qual é o seu maior defeito?

Talvez o maior seja... consigo pensar em mil (risos). Esforço-me demasiado para ser perfeita. Às vezes, temos de fazer as coisas bem, em vez de as tentar fazer na perfeição. Mas, por vezes, isso atrasa-me, porque sou muito exigente comigo própria, quando o que tenho de fazer é aceitar as coisas como elas são, tanto com a minha equipe como com os jogadores.

Será que Erling Haaland, atualmente do City, é uma oportunidade fantástica para outros clubes grandes que podem pagar o que ele vale? 

É um jogador com grande potencial. O que é que eu vejo quando faço esta estimativa? Vejo todas as considerações financeiras que giram em torno dele, apesar de ser um jogador sério, que trabalha muito, é organizado, concentrado e nunca se perde. Está no Manchester City há dois anos e nunca houve boatos sobre ele... O seu perfil representa um valor enorme aos olhos dos patrocinadores e dos clubes, bem como em termos de venda de camisas e de exposição mediática. E tudo isso, somado: venda de ingressos, direitos televisivos, tudo o que o Erling vai ganhar ao longo da sua carreira, estou convencida de que ultrapassará o bilhão de euros.

Uma coisa é certa hoje: Erling Haaland sente-se em casa no Manchester City! Está 1000% empenhado no projeto dos Citizens e já está ansioso pela nova temporada com o clube.

Pablo Gallego, editor do Flashscore França
Pablo Gallego, editor do Flashscore FrançaFlashscore