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Exclusivo: Raí vê Diniz com potencial de Seleção e diz por que o Brasil ficou para trás

O ex-craque agora é sócio do Paris FC e faz mestrado em Políticas Públicas
O ex-craque agora é sócio do Paris FC e faz mestrado em Políticas PúblicasDivulgação/Raí
Nesta segunda parte da entrevista exclusiva de Raí ao Flashscore, o tetracampeão mundial disseca a principal razão pela qual a Seleção Brasileira passa por uma crise tática. O ex-camisa 10 explica também porque Fernando Diniz tem potencial para ser o técnico do Brasil e fala sobre os bastidores de sua passagem como dirigente do São Paulo.

Na primeira parte, publicada na sexta-feira (26), Raí abriu o jogo sobre o PSG, clube no qual fez história na década de 90. Leia aqui.

Confira abaixo a última parte da nossa conversa com o "Terror do Morumbi", campeão mundial com o Tricolor em 1992 e com a Seleção em 1994. 

Bandeirão de Raí na torcida do PSG
Bandeirão de Raí na torcida do PSGProfimedia

O que falta para o Brasil voltar a ser campeão do mundo?

Podemos falar mil razões, mas para mim tem uma coisa que é muito óbvia, que às vezes é pouco comentada. Estamos falando agora em achar um treinador para o Brasil, e pela primeira vez estamos admitindo ter um treinador estrangeiro – e não é porque temos a cabeça mais aberta, mas é porque a gente está vendo que (no Brasil) não tem.

Temos grandes treinadores, mas para um futebol pentacampeão do mundo, são poucos. Então se você tem poucos grandes treinadores no Brasil é porque você não formou treinadores, você não se preocupou em formar treinadores.

O Brasil sempre se baseou no talento (dos jogadores), se acomodou nisso e não investiu em formação de consciência tática. Há 30, 40 anos, isso não tinha tanto peso. Hoje em dia, se você não tiver um jogo coeso, intenso, tudo o que vemos nos grandes times europeus, você não consegue.

Canarinho em crise
Canarinho em criseFlashscore

Se você ver, por exemplo, os confrontos entre Manchester City e Real Madrid (pela semifinal da Champions), eles têm grandes jogadores, mas você vê a mão do treinador.

Na Seleção, os talentos continuam, mas com certeza não tivemos o nível de formação (tática) que a França e outros países têm de jogadores mais completos – na questão tática, física, de polivalência. E isso você faz na formação. 

Então, o lado mais evidente que mostra porque o Brasil involuiu, não são os treinadores, na verdade, mas a falta de investimento na formação de treinadores. Agora a CBF está fazendo, começou há pouco tempo, mas se você pegar o tempo histórico, foi ontem que eles começaram.

Se você tivesse começado há 50 anos, hoje você teria não só melhores treinadores, mas melhores jogadores na base.

Raí fez gol contra a Rússia na Copa de 94
Raí fez gol contra a Rússia na Copa de 94FIFA

Falando ainda de Seleção, qual sua memória favorita da Copa de 1994?

Minha memória favorita é quando a gente chega com o avião em Recife e se encontra com a torcida. Está acima de tudo essa relação com a torcida, de 24 anos sem ganhar… houve vários momentos lá (nos Estados Unidos), mas acho que esse é incomparável.

O Fernando Diniz é um bom nome para a Seleção?

Ele tem um potencial gigantesco, está só melhorando, nunca tive dúvida nenhuma disso. Passei um ano e meio com o Diniz. É um cara de projeto, de construir projeto, está fazendo isso no Fluminense. No São Paulo ele teve momentos de alto nível.

Seleção, não sei se é o momento agora, mas que é um treinador com potencial de Seleção Brasileira, não tenho dúvida nenhuma, nunca tive, desde que conheci o dia-a-dia dele. Quando trabalhei próximo dele, eu falava para ele e para os atletas: "vocês têm dúvida que esse cara vai ser um super treinador?". E ele já está provando.

E além de toda a capacidade, visão, convicção, filosofia, ele tem uma coisa de treinamento que é raríssima. Duas coisas: nível de treinamento, de intensidade e de construção de time que vi poucas vezes, vi com Telê Santana e treinadores próximos desse nível; e também uma paixão pelo que faz, pelo futebol, que raramente vi também.

Raí e Diniz em treino do São Paulo em 2019
Raí e Diniz em treino do São Paulo em 2019saopaulofc.net

O Telê foi o melhor técnico com o qual você trabalhou?

Sim, sem dúvida, ele é top 3 de todos os tempos. Claro, hoje as metodologias foram mudando, mas na época dele… Até mostro para o pessoal mais jovem, o Brasil da Copa de 82, o São Paulo de 91, 92 e 93, estavam muito à frente do seu tempo. É parecido com o que o Guardiola vem fazendo – inclusive o Telê é uma das referências do Guardiola.

Além de ter sido o melhor treinador que já trabalhei e um dos melhores de todos os tempos, o Telê estava muito à frente do seu tempo. É um cara que revolucionou o futebol.

Raí e Telê campeões da Libertadores em 1992
Raí e Telê campeões da Libertadores em 1992Rai10oficial

Era mais fácil jogar pelo São Paulo ou ser dirigente do São Paulo?

Ah jogar, claro (risos). Jogar é mais fácil que ser treinador, mais fácil que ser diretor. Claro, você tem sua responsabilidade como jogador, mas em outras instâncias você acaba lidando com um espectro de coisas muito mais amplo de responsabilidades e consequências que, quando jogador, você sabe que existe, mas se concentra só no campo.

Raí no retorno ao São Paulo pós-PSG
Raí no retorno ao São Paulo pós-PSGArquivo Histórico/SPFC

Como você avalia sua experiência como diretor de futebol do clube pelo qual fez história?

Eu fazia parte do conselho de administração do clube, foi uma experiência interessante nesses três anos que passei no São Paulo. Mas a gente sabe que o São Paulo, muito antes de eu chegar como diretor e ainda agora, passa por um momento complicado.

Quando eu entrei, o São Paulo estava já há décadas sofrendo não só com a falta de títulos importantes, mas também com a degradação de sua estrutura. Então o São Paulo passa por um projeto de médio e longo prazo de reestruturação que começou antes de mim e que vai muito além da parte esportiva.

O ídolo como diretor do Tricolor Paulista
O ídolo como diretor do Tricolor Paulistasaopaulofc.net

Você acha que o fato do Rogério Ceni ter sido ídolo do Tricolor o atrapalhou como técnico?

Não. O Rogério já provou e vai ter uma grande carreira como treinador, sem dúvida nenhuma. E carreira longa, quem sabe ele volte mais para frente. Acho que ele é um cara obstinado e vai ter uma carreira de sucesso.

Seu maior jogo da carreira foi São Paulo 2x1 Barcelona na final do Mundial Interclubes de 1992?

Foi o mais decisivo, e o mais importante por onde colocou o São Paulo na história, sem dúvida nenhuma. E em um jogo decisivo você ser decisivo e fazer um grande jogo é uma coisa que marca para a vida.

Você adorava fazer gol em final. Você acha que tem jogador que treme em decisão?

Tem jogador que se sente mais confiante e tem o momento também. Às vezes tem momentos em que você se sente iluminado, que nem o Mbappé na final da Copa do Mundo. A Argentina matando a França e a gente sabia que se alguém tinha que resolver, era ele – e não é que foi ele mesmo (risos). 

Vai além de pipocar ou ter coragem, tem uma coisa de estar iluminado. Tem o talento, claro, mas tem uma coisa meio mágica do futebol que mistura confiança com uma fase meio iluminada.

Naquela época (no São Paulo), em um ano e pouco, eu fiz uns sete ou oito gols em finais, então acho que eu estava num momento meio assim.

Raí em 1980, começando a carreira no Botafogo-SP
Raí em 1980, começando a carreira no Botafogo-SPRaí10oficial

O jogador sente quando está num momento iluminado? Você sentia isso?

Sentia. Mas às vezes eu senti e não deu certo (risos). Nem sempre, mas sim, tem alguns jogos que você sente, cara, é impressionante. Comento aqui em Paris sempre de um jogo contra o Lyon que, não era final, mas era decisivo. O PSG estava passando por um momento difícil, e estávamos perdendo o jogo, mas a gente teve uma coisa entre nós e viramos para 3 a 1.

Depois do jogo, o treinador adversário falou: "Quando eles entraram em campo, olhei no olho deles e sabia que a gente ia perder".

Então, tem hora que você sente. Por isso o ambiente também é importante. Tem também o respeito que você ganha do seu grupo, isso é uma coisa que também joga muito – não só você ser confiante, mas o teu grupo confiar em você.

Qual sua derrota mais dolorosa?

Graças a Deus, foram poucas. Teve uma com o Barcelona pelo PSG, na final da Copa dos Campeões da UEFA (em 1997), que seria o nosso bicampeonato. E aquela que perdi os dois pênaltis contra o Corinthians (na semifinal do Brasileirão de 1999), essa também foi dolorosa.

O Sócrates te inspirou a jogar futebol?

Não, só me deu o peso de ser irmão dele (risos). Na verdade, quando eu tinha 10, ele já tinha 21, já estava batendo asa. Mas a grande inspiração era vê-lo. Ele era meu irmão mais velho, fazia medicina, era uma referência, mas havia estes 11 anos de distância e mais quatro irmãos entre eu e ele.

Mas eu torcia para o Botafogo-SP e ia como torcedor vê-lo nos treinos. Tudo o que aprendi foi aquela coisa de ter o irmão como ídolo e referência e ver as coisas que ele fazia dentro de campo, isso acabou registrando inconscientemente. 

Raí apresentando o Prêmio Sócrates na cerimônia da Bola De Ouro
Raí apresentando o Prêmio Sócrates na cerimônia da Bola De OuroReprodução/Ballon D'Or

Mas foi mais nessa coisa de ver jogar do que receber conselhos porque eu não pensava em ser jogador naquela época. Quando eu estava com 14, 15 anos e comecei a jogar em clube, ele já estava no Corinthians, então não nos cruzávamos para dar dica.

Foi só mais para frente, quando comecei a virar profissional, que começamos a bater papo sobre jogo. Como profissional, a gente não se via muito. Passamos a nos encontrar mais quando ele parou de jogar, e passamos a ter mais convivência no pós-carreira.

Títulos de Raí

Pelo São Paulo:

Mundial (1992)

Libertadores (1992 e 1993)

Brasileiro (1991)

Paulista (1989, 1991, 1992, 1998 e 2000)

Pelo PSG:

Campeonato Francês (1994)

Copa da França (1995 e 1998)

Copa da Liga (1995)

Supecopa da França (1995 e 1998)

Recopa Europeia (1996)

Pelo Brasil:

Copa do Mundo (1994)

Raí hoje é mestrando em Políticas Públicas pelo Institut d'Études Politiques, além de diretor da Fundação Gol de Letra e sócio do Paris FC.