Futebol 360 com Betão: A base e a formação integral dos atletas
No meu ponto de vista, ainda precisamos melhorar bastante nossa formação. Se o Brasil já é um dos maiores exportadores de atletas do mundo, imagina se focarmos na formação integral deles? Se cuidarmos melhor desses jovens talentos, formaremos melhor e exportaremos muito mais, já que esse é o objetivo final da esmagadora maioria dos clubes brasileiros.
Porém, existem vários pontos de vista e diversas discussões com relação às categorias de base no Brasil. Por exemplo: base é gasto ou investimento? Devemos dar prioridade em ganhar ou formar? Devemos oportunizar todos ou selecionar atletas por perfil? Como aprendi com o Fernando Carvalho (ex-presidente do Internacional), “cada realidade, a sua verdade!”.
Ou seja, cada clube tem a sua metodologia de trabalho:
- uns dão prioridade a ganhar títulos na base a qualquer custo, mesmo que posteriormente nenhum atleta seja aproveitado na equipe profissional;
- outros priorizam e dependem da formação do atleta, oportunizando atletas mais jovens nas categorias, mesmo que isso traga algumas derrotas, para que eles cheguem mais bem preparados na equipe principal;
- existem clubes que dependem da venda de atletas da base para sobreviverem, e outros não.
Não quero dizer quem está certo ou errado, mas, como disse o Fernando Carvalho: “Cada realidade, a sua verdade”.
Uma coisa que deve ser comum a todos os clubes é a formação do cidadão, pois nem todos serão atletas profissionais, mas todos serão cidadãos. Mesmo que sejam atletas profissionais, não tira a obrigatoriedade de serem bem instruídos com relação à cidadania que devem exercer. Digo sempre a eles que serão atletas por um período de tempo, mas cidadãos serão para sempre.
Recentemente, temos visto diversos jovens jogadores de futebol bem-sucedidos profissionalmente, porém com um comportamento inadequado fora dos gramados. Eu acredito que os clubes podem e devem dar maior contribuição na maneira com que estão formando os atletas. Não devem somente se preocupar com o desenvolvimento esportivo, mas principalmente com a formação do cidadão.
Clubes formadores
Após essa introdução, preciso falar sobre os clubes formadores. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) criou uma espécie de selo de qualidade, o Certificado de Clube Formador (CCF). Ele serve para comprovar que tais clubes cumprem os principais requisitos visando a formação de atletas.
É muito importante para os clubes ter esse selo de qualidade. E mais importante do que ter o selo é realmente proporcionar aos jovens atletas oportunidades de crescimento integral. Esse certificado deve ser renovado anualmente pelos clubes e, para dar continuidade, é necessário cumprir alguns compromissos.
De acordo com a CBF, a padronização de qualidade é essencial: uniforme de jogo e treino aos atletas; ter um departamento psicossocial para dar suporte aos atletas e familiares; oportunizar os atletas com o estudo; ter assistência médica (plano de saúde/odontológico), entre outros.
Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, que recentemente recebeu o CCF, definiu com uma frase a importância do certificado: “É uma marca de credibilidade no mercado”.
Segundo uma lista encontrada no próprio site da CBF, atualizada em 4/9/2023, apenas 46 clubes no Brasil têm o CCF: 19 da Série A, 10 da Série B e outros 17 divididos entre as Séries C e D, além de alguns sem divisão.
Existe uma fórmula para formar atletas?
Se realmente existisse uma fórmula mágica para formar jogadores de futebol, poucos clubes estariam endividados e passando por dificuldades financeiras. Como falado anteriormente, nós temos um celeiro de grandes talentos. Mas por que muitos jovens se perdem no meio do caminho? Quem nunca ouviu frases como “não sei como esse não virou jogador profissional” ou “esse não tem como não dar certo, joga muito” e, quando o tempo passa, não conseguiu romper a grande barreira entre a base e o profissional.
Eu pude ver isso com os meus próprios olhos, e continuo vendo até os dias de hoje. Credito muito à falta de instrução e de uma base familiar. Nossa cultura futebolística não nos permite observar os jovens em uma visão 360. Infelizmente, se o atleta tiver resultado esportivo, pouco nos importamos com seu contexto de vida, sua educação, suas necessidades como ser humano, seu contexto familiar, questões psicológicas, saúde mental e desenvolvimento como cidadão.
Olha quantas coisas precisam estar ajustadas ao mesmo tempo. Não é somente pegar a bola, sair driblando e fazer o gol. Existem clubes que parecem ter encontrado esse caminho, mas não é uma fórmula que servirá para todos. Parto do princípio que existe todo um contexto de processos que não acontecem do dia para noite, e poucos clubes têm a paciência para passar por esses processos, em que os resultados são de médio a longo prazo.
Fatores importantes a se analisar são a cultura e a história do clube. Desde a base, os atletas devem estar enquadrados no DNA da equipe.
Um dos problemas é o imediatismo: os clubes querem resultados de formação instantâneos. Por exemplo, nos dias de hoje, times como Palmeiras e Athletico-PR se destacam nesse quesito, e até parecem ter encontrado essa fórmula mágica. Mas tudo é fruto do respaldo daqueles que estão à frente do processo e acreditam que seja necessário passar por um longo processo de reformulação nas categorias de base para formar melhor seus atletas.
Podemos citar outros clubes, como o Fluminense, com seu centro de formação em Xerém, e o próprio Santos, com os “Meninos da Vila”. A verdade é que os olhos de muitos dirigentes estão se abrindo para essa realidade e, aos poucos, a formação está melhorando.
Formação integral dos atletas
Quando falamos em formação integral, estamos dizendo literalmente que não estamos somente preocupados com o resultado esportivo, mas sim com todo âmbito que envolve a formação dos atletas. Como estamos lidando com crianças, adolescentes e jovens que, na maioria das vezes, não têm uma boa estrutura familiar e possuem pouca instrução, é de fundamental importância proporcionarmos a eles um direcionamento sociocultural, novas experiências educativas (palestras, cursos alternativos e etc), convivência e interação com seus companheiros, além de todo suporte psicossocial.
A grosso modo, a formação integral do atleta consiste em educar, dar todo suporte possível e instruir os atletas, além de proporcionar meios para o seu desempenho esportivo. Para que isso seja possível na prática, é necessário ter uma estrutura minimamente adequada. E é justamente aí que entra nosso próximo assunto.
Dinheiro nas categorias de base: gasto ou investimento?
Já falo de antemão que, no meu ponto de vista, é investimento. Seria difícil precificar a média dos valores que são investidos em um único atleta por ano. Imagina tentar precificar quanto custa um atleta da formação até se transformar em um atleta profissional? São muitas contas a se fazer: quantas bananas esse atleta comeu, quantos quilos de arroz, quantos copinhos de água…
O que temos claro hoje é quanto alguns clubes investem por ano nas categorias de base como um todo, o famoso orçamento anual. Conversando com algumas pessoas, obtive o conhecimento de um clube que, no ano de 2022, investiu cerca de R$ 5 milhões nas categorias de base; e de um outro que investiu cerca de R$ 34 milhões no mesmo ano.
Mas, para essa conta fechar, o cálculo é bem simples! Para valer a pena, o retorno na venda de um atleta oriundo da base deve cobrir esse investimento feito nele. Cerca de 90% dos atletas não dão o devido retorno, mas, por vezes, em uma venda, você cobre todo o investimento de um ano na base.
E uma coisa é certa: quanto mais investimento na base, maior a qualidade na formação e maiores são chances de um retorno lucrativo. Porém, tem um detalhe fundamental: saber escolher a pessoa que estará à frente desse complexo processo de formação.