Futebol 360 com Betão: A extinção do camisa 10 no futebol brasileiro
A mística da camisa 10 surgiu após a tão sonhada conquista da Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Um jovem de apenas 17 anos chamado Edson Arantes do Nascimento, ou simplesmente Pelé, utilizou a camisa 10 durante a competição e desfilou pelos gramados suecos, fazendo brilhar os olhos de todos que assistiram.
O Rei Pelé, que também utilizava a camisa 10 na equipe do Santos Futebol Clube, deixou um legado enorme. Tanto que, a partir daquele ano, para usar a camisa 10, o jogador precisava ser diferente, ter um algo a mais. Lembro-me, ainda nas categorias de base, quando íamos enfrentar uma equipe, mesmo sem conhecer os atletas adversários, já sabíamos que deveria ter cuidado com o camisa 10, pois só o fato de ser o camisa 10 já impunha respeito.
Não é como nos dias de hoje, em que “qualquer” atleta pode colocar o número 10 nas costas, mesmo sem saber a história que esse número carrega. Infelizmente, a camisa 10 está se tornando um número normal, igual na era antes de Pelé. Isso para mim é uma tristeza.
O legado da camisa 10
Durante as décadas seguintes após Pelé eternizar a 10, a magia dessa camisa se espalhou pelo Brasil: Ademir da Guia, Roberto Rivellino, Dirceu Lopes, Pedro Rocha, Zico, Roberto Dinamite, Raí, Neto, Giovanni, Djalminha, Dener, Edilson, Alex, Ronaldinho Gaúcho… Ufa, haja nostalgia nessa postagem! Se juntássemos todos esses craques, conseguiríamos fazer uma seleção imbatível no mundo todo.
Tenho certeza que agora fiz você voltar no tempo e sentir a mesma nostalgia que estou sentindo ao escrever este texto. Quantos talentos tivemos com a camisa 10? E olha que estou me esquecendo de muitos. Esse foi o legado deixado por Pelé.
Todos esses atletas citados, de alguma forma, fizeram jus à genialidade, à magia, à criatividade, à “irreverência”, ao famoso toque de gênio… atributos que são necessários para quem utiliza essa camisa. Assim como o nome Pelé, ser o camisa 10 de uma equipe virou sinônimo de craque.
A função tática do camisa 10
Quando eu falo sobre a camisa número 10, não estou me referindo somente ao número em si, mas sim à função que o camisa 10 exerce ou exercia em campo. Esse jogador tinha que ser o mais criativo, aquele que lê o jogo, chama a responsabilidade, arruma soluções. Os companheiros tocavam a bola para ele sabendo que iria resolver o problema, pois sempre tirava um coelho da cartola quando ninguém imaginava.
Em um comparativo com o basquete, era o jogador que pegava a bola para o último arremesso, faltando milésimos de segundos, e resolvia o jogo. O dito jogador do lance decisivo. Com toda certeza, jogadores como Michael Jordan, LeBron James e Kobe Bryant seriam camisas 10 no futebol. Essa é a falta que sinto no futebol brasileiro atualmente.
Mas por que houve essa extinção? Por que nos dias de hoje é tão difícil encontrarmos atletas dos mesmos níveis técnico e criativo de antigamente, se a fonte é a mesma? Será que o esquema tático tem prejudicado os jogadores dessa função? Será que as raízes do futebol mudaram? A seguir, vou levantar alguns pontos para refletirmos.
Qual o real motivo da extinção do camisa 10?
1ª teoria: modelo de jogo. A primeira teoria que ouvimos por aí é que o modelo de jogo adotado nos dias de hoje faz com que essa função fique nula. No passado, se utilizava muito o famoso “losango” no meio-campo, formado por quatro atletas, no qual a ponta do losango seria ocupada pelo camisa 10. Ele teria a função e a responsabilidade de toda a criação da equipe.
O esquema tático com o "falso 9”, bastante utilizado nos dias de hoje, tem aquele jogador que muitas vezes flutua justamente no espaço que era ocupado pelo camisa 10. Isso fez com que muitos atletas que desempenhavam essa função se adaptassem ao novo modelo. Eles tiveram que jogar pelos lados do campo, como os chamados beiradas ou extremos.
Outro desenho tático que também favoreceu a extinção do camisa 10 foi a utilização de três jogadores no meio-campo, ou seja: um primeiro volante que protege a defesa e dois segundos volantes, os famosos “box to box”, que jogam de área a área.
2ª teoria: fim do futebol de rua e dos campos de terra. Estão acabando com o futebol de rua e os campos de terra que costumávamos ver a cada quarteirão pelos bairros. Há quem diga que o fato de ter os pés descalços no asfalto, precisando desviar dos buracos e, ao mesmo, tempo controlar a bola, fazer tabela com o meio-fio e postes e desviar de carros, motos e bicicletas aumentava a habilidade e a criatividade dos jogadores de rua.
Jogar nos chamados terrões, pela própria imperfeição dos campos, exigia mais tecnicamente dos jogadores e, sem mesmo perceberem, elevava o nível técnico. Isso é raro de se ver nos dias de hoje. Os campos de grama sintética estão se espalhando por todo lado, e as exigências já não são as mesmas.
Se adentrarmos nas periferias, onde ainda existem os campos de terra, conseguimos encontrar jovens jogadores com características para resgatarmos a história do camisa 10. Mas será que teriam liberdade dentro dos esquemas táticos adotados para deixarem brilhar o seu talento?
3ª teoria: tecnologia. Ela se transformou em um concorrente muito forte para o futebol de rua. O sonho de ser jogador de futebol já não é mais a primeira opção da maioria das crianças. Talvez ser um youtuber, um player famoso (aquele que participa de competições de jogos eletrônicos pelo mundo). Essa geração não pensa duas vezes em trocar um futebol de rua por uma partida de videogame.
Triste realidade
Termino essa coluna com mais saudosismo do que quando comecei a escrever, e isso não é bom. Sinceramente, não vejo mais esperança para tornarmos a ter o clássico camisa 10 no nosso futebol. Pelo rumo que o futebol tomou, é um caminho sem volta. Mas, ao mesmo tempo, me sinto feliz por ter visto e jogado ao lado de grandes camisas 10 do futebol brasileiro.