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Futebol 360 com Betão: Por que são poucos os técnicos longevos no Brasil

Arsene Wenger não sobreviveria ao nosso futebol
Arsene Wenger não sobreviveria ao nosso futebolWikimediaCommons/Flashscore
Caros leitores, hoje eu gostaria de falar com vocês sobre a profissão que eu considero umas das mais difíceis de atuar no Brasil: a de treinador de futebol. Digo isso, pois de futebol e política todos se acham entendidos. 

Já de início, vamos fazer um breve exercício mental: Imagine você sendo o treinador da Seleção Brasileira de futebol e ter quase 200 milhões de pessoas avaliando seu trabalho, se achando entendidos no assunto, dizendo o que fez de errado e cada uma delas com uma opinião diferente sobre o que você deve fazer.

Conseguiu imaginar? Ser treinador de futebol no Brasil é mais ou menos isso.

Fiz essa breve introdução para ilustrar que, mesmo que seja prazeroso ser treinador de futebol no Brasil, é um tanto quanto desafiador. Além do exemplo citado, o futebol é uma paixão nacional que não dá tempo para se ter planejamento e montar estratégias. Ele exige resultados imediatos.

Decidi escrever sobre esse tema pois sempre achei uma função muito insegura para se trabalhar no futebol brasileiro. Certa vez, quando ainda jogava no Corinthians, perguntei para um dos treinadores que tive quando a família dele chegaria na cidade. Ele me respondeu de imediato:

“Antes dos seis meses de trabalho, não trago minha família, tudo pode acontecer”. Usei esse exemplo para falar sobre a questão do planejamento familiar, mas vou dar foco no planejamento e estratégia de trabalho. 

Abel Ferreira é um dos técnicos mais longevos do futebol brasileiro
Abel Ferreira é um dos técnicos mais longevos do futebol brasileiroCesar Greco/Palmeiras

Resultados pra ontem

Eu acredito que os treinadores precisam ter tempo para trabalhar e mostrar os seus resultados práticos, além de terem a chance de realizar um planejamento de médio a longo prazo nos clubes.

Para que isso seja possível, ter o respaldo da diretoria é fundamental. Em muitos casos, esse respaldo não acontece e em outros não é suficiente. O imediatismo por resultados e o ambiente político dentro dos clubes acabam “antecipando” a troca equivocada dos treinadores. 

Um treinador tem tudo para não permanecer no cargo se não tiver resultados de imediato, mesmo que os trabalhos anteriores seja bons, mesmo que ele seja um expoente no cenário do futebol. Ser um bom gestor de grupo e criar um ambiente favorável podem não adiantar de nada.

“Como consequência direta dessa realidade no cenário nacional, por exemplo, a duração média de um treinador de futebol de elite já foi constatada em 65 dias durante o Brasileirão, restringindo o potencial do seu trabalho a pouco mais de dois meses. Isso com todos cientes que apenas uma equipe termina a competição como campeã ao final da temporada".  

O trecho acima foi retirado do artigo: "Ofício: Treinador. Competências da profissão na realidade brasileira" de Matheus Galdino.

Betão durante sua passagem pelo Dynamo de Kiev
Betão durante sua passagem pelo Dynamo de KievProfimedia

Prioridade de acordo com o contexto

Muitas pessoas dizem: “Na primeira proposta que aparece, o treinador vira as costas para o clube e abandona o trabalho. E o tal do planejamento?”.

Acredito que a instabilidade da profissão e o risco de ser demitido após três ou quatro resultados adversos fazem com que, na maioria vezes, os treinadores não pensem duas vezes quando aparecem tais oportunidades. 

Qual seria o treinador ideal para um trabalho de médio e longo prazo?

Consegue entender?

Vou falar sobre algo que passei muito no futebol brasileiro e até o momento não consegui uma explicação. 

Trabalhei com alguns treinadores que não tinham um bom trabalho no dia a dia, não tinham metodologia, o ambiente era pesado e tão pouco tinham critérios. Porém, tinham o resultado do jogo.

Outros tinham um trabalho de excelência no dia a dia, eram citeriosos e bons gestores de grupo, o ambiente era bom e não tinham o resultado do jogo. Para quem está de fora do processo, o treinador que tem resultado é bom e quem não tem é ruim. E aí, como explicar? 

O assunto é um pouco complexo mas entendo que, nos dias de hoje, a principal característica que um treinador deve apresentar é ser um bom gestor de pessoas. 

Wenger não precisou de títulos para fazer história no Arsenal
Wenger não precisou de títulos para fazer história no ArsenalProfimedia

Resultado que manda

A questão é que vencer jogos em curto prazo é a principal demanda de um treinador no Brasil. Além de evoluir o grupo, ele precisa ter os resultados. Como equalizar isso?

Como falei, acredito no planejamento de médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, deve existir “situações de emergências” e estratégias que devem pensar sim no resultado jogo a jogo. 

“Mesmo diante dessa 'falta de tempo' para se trabalhar, muitos treinadores ainda acreditam no processo. Para muitos, a oportunidade de poder evoluir seus atletas como profissionais e como pessoas reverte em alta performance e títulos.

"Dessa forma, o processo acaba sendo mais importante que o fim", cita um outro trecho do artigo de  Matheus Galdino.

Sir Wenger

Para finalizar, vou trazer uma breve análise e uma reflexão sobre o treinador Arsène Wenger, que comandou a equipe do Arsenal da Inglaterra por 22 anos.

Entre 1996 a 2018, ele conquistou 17 títulos. Um número expressivo, mas a curiosidade é quantos anos ele permaneceu no cargo sem conquistar títulos. 

Dos campeonatos mais relevantes, o último foi do campeonato inglês na temporada 2003/2004.

Ele ainda venceu a Copa da Inglaterra na temporada 2004/2005 e, depois, só voltou a vencer o torneio  na temporada 2013/2014.

A Supercopa da Inglaterra foi conquistada em 2004 e depois somente em 2014. 

Ele “sobreviveu” a um jejum de títulos de nove anos trabalhando em dos gigantes europeus. Mas, em contrapartida, foi o treinador mais bem-sucedido da história do clube e seu trabalho teve contribuições tamanhas para a evolução do futebol inglês, além de ajudar na globalização do esporte no século XXI.

Perguntas que ficam no ar: um treinador desse gabarito no Brasil, se ficasse nove anos sem títulos, permaneceria no cargo? 

Será que no Brasil, um dia, veremos um treinador permanecer por 22 anos em um mesmo clube, ainda mais com um jejum de títulos de nove anos?

Vou poupar seu tempo, é óbvio que não. Mas quero estar vivo para ver isso acontecer.