México e seu povo: como sair de um relacionamento em crise a menos de 2 anos da Copa
Era uma época em que El Tri apresentava nos jogos relevantes um time de atletas que atuavam em algumas das principais ligas da Europa. Embora as atuações fossem irregulares, inspiravam entusiasmo na torcida.
Pela animação que as estrelas geravam, a imprensa esportiva do país lutava pela melhor posição no aeroporto para conseguir o ângulo certo da chegada dos jogadores que vinham da Espanha, Alemanha, Portugal, Holanda e Itália. Ter um time cheio de "europeus" era o orgulho do futebol nacional.
No entanto, esse sentimento patriótico há muito tempo se tornou apenas uma lembrança passageira. Como a atual situação é precária, hoje há uma terrível falta de interesse pela seleção.
A última vez que o México escalou uma equipe com jogadores que competem no nível mais alto da Europa foi em 2017, quando El Tri enfrentou Portugal na Copa das Confederações.
Nos últimos sete anos, a seleção desperdiçou a reputação construída ao longo de duas décadas, com dirigentes se preocupando muito mais em consolidar financeiramente um produto do que organizar o que acontece em campo. No sábado (7), apenas cinco dos 11 jogadores mexicanos que iniciaram o amistoso contra a Nova Zelândia, em Los Angeles, jogam na Europa.
E nenhum joga em uma das cinco principais ligas do continente (LaLiga, Premier League, Bundesliga, Ligue 1 e Serie A).
Desconexão entre a seleção e o povo
Foi nesse contexto adverso que Javier Aguirre, técnico com carreira estabelecida na Espanha e conhecimento dos males da relação dos mexicanos com o time, quis entrar em cena. Contratar o "Basco" foi a melhor decisão que a federação mexicana poderia ter tomado, já que precisava com urgência de uma solução depois do fracasso na Copa América de 2024.
No entanto, mesmo que o estilo descontraído e divertido de Aguirre tenha se provado popular entre a imprensa local e nas redes sociais da seleção, a partida do último dia 7 provou a desconexão que existe entre os torcedores mais fanáticos e a equipe do país.
Aguirre viralizou na entrevista coletiva antes do jogo ao comentar sobre os tempos modernos no vestiário e como vários repórteres que ele conhece há mais de duas décadas envelheceram ou engordaram. Mas o desprezo da torcida foi tão evidente quanto doloroso.
O lendário Rose Bowl, palco do Tetra do Brasil, já lotou seus 90 mil assentos em várias ocasições em jogo da seleção mexicana. Desta vez, o estádio se mostrou desolado com pouco mais de 20 mil torcedores na tarde ensolarada na Califórnia.
Para completar o cenário deprimente, o México teve mais uma atuação decepcionante contra um adversário inoperante. Nem mesmo a vantagem de 3 a 0 foi suficiente para apaziguar os críticos.
Na coletiva, jornalistas, jogadores e até o próprio Aguirre - pela primeira vez em muito tempo - destacaram o descontentamento dos torcedores. Em uma mudança considerável de narrativa, a reclamação em rede nacional de Irving "Chucky" Lozano sobre as vaias da torcida no Estádio Azteca em 2023 foi deixada para trás.
Orbelín Pineda, jogador do AEK Atenas que anotou o primeiro gol contra a Nova Zelâdia, admitiu após a partida que era clara a mensagem da torcida de que havia se cansado de ser sempre leal indepententemente da situação.
O ex-jogador do Chivas Guadalajara foi direto ao dizer que a única maneira de recuperar a confiança dos mexicanos é melhorar e obter bons resultados.
Mas, enquanto a principal notícia do jogo foi o baixo comparecimento da torcida, Javier Aguirre foi além na entrevista coletiva. Por um momento, deixou de lado a troca de palavras coloquiais e de bate-papo com a imprensa e optou por falar sem rodeios, como já fez muitas vezes antes.
Perguntado se havia uma letargia e um bloqueio mental nos jogadores da seleção, o "Basco" foi direto ao ponto. "Não é possível que um ou outro jogador esteja em um estado anímico, de nivel três em uma escala de 10, ou que esteja repentinamente colecionando derrotas, fracassos e momentos ruins. Mas esse é o meu trabalho. Preciso olhá-los nos olhos, examinando, questionando e entrando lá, terei de tirar conclusões, e quem não correponder terá que ir embora", exclamou.
Depois de um ciclo liderado por Jaime Lozano, no qual os jogadores passaram um tempo confortável nos campos de treinamento da Copa América, dividindo hotel com a família e deixando de lado as exigências do treinador Gerardo Martino, Aguirre levantou a voz com a autoridade inerente ao cargo e colocou em ação o plano de resgate de uma seleção que, em menos de dois anos, será co-sede de uma Copa do Mundo.
Para o novo comandante, esse aspecto deve ser suficiente para trazer à tona o amor próprio de uma equipe afundada na crise. "O jogador que eu preciso é aquele que está comprometido com o fato de que jogar uma Copa do Mundo em casa é uma grande oportunidade. Não há satisfação maior. Por isso, preciso de pessoas que estejam claras aqui (apontando para a cabeça) e aqui (apontando para o coração). Estou trabalhando para isso", disse Aguirre.
E uma torcida exausta está esperando ansiosamente que o técnico mais importante da história do futebol mexicano faça seu trabalho.