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Entrevista exclusiva com Rui Vitória: técnico revela proposta do Brasil

Paulo Cintrão, André Guerra e Mário Rui Ventura
O treinador português abriu o jogo em entrevista ao Flashscore
O treinador português abriu o jogo em entrevista ao FlashscoreAFP
O treinador Rui Vitória revelou em entrevista exclusiva ao Flashscore como foi sua saída da seleção egípcia e qual sua relação com Mohamed Salah. O português também contou que teve oportunidade de trabalhar no futebol brasileiro.

Rui Carlos Pinho da Vitória foi jogador do Alverca, Fanhões, Vilafranquense, Seixal, Casa Pia e Alcostense. Começou a carreira de treinador no Vilafranquense, antes de partir para Benfica, Al-Nassr, Spartak Moscou e seleção do Egito.

Como técnico, ele ganhou três ligas portuguesas, duas Taças de Portugal, uma liga saudita, uma Supercopa da Arábia Saudita, além de outros títulos.

Confira abaixo a entrevista:

Como lidou com a demissão da Seleção do Egito considerando que, em 19 meses no cargo, você perdeu apenas uma partida? 

Olhando para esse percurso, houve essa CAN (Copa Africana de Nações) que foi marcante para um país que vive com muitas emoções à flor da pele. Quando não estamos inseridos num contexto em que haja visão ou sentido crítico no que se está a fazer, claro que isto fica sujeito ao resultado de cada um dos jogos.

Quando fui para lá, era previsto um trabalho de quatro anos, sabia que ia haver duas Copas Africanas no meio e pensei que as pessoas teriam uma visão a longo prazo. Se fosse só pela questão da CAN, seria diferente. O trabalho que foi feito foi muito sustentado, conseguimos resultados muito positivos.

Criamos expectativas muito elevadas, alimentamos muito as expectativas das pessoas e muita gente pensava que seria o momento do Egito, mas eu fui sempre alertando que não estávamos no caminho certo. Talvez tenha cometido um erro em não puxar o freio, mas também pensei na emoção e entusiasmo, que eram tão grandes que não havia forma de voltar atrás.

Ao estudar esta competição, tive a perceção que isto poderia correr bem se entrássemos numa onda muito positiva. Se isso não acontecesse, íamos ter dificuldades porque havia uma série de variáveis que poderiam influenciar. No final, as pessoas acharam que a pressão era muita, porque a emoção é muito maior do que em Portugal, o imediatismo é muito presente. 

Também tinha posto no meu contrato que poderíamos refletir no final da CAN. Pus um meio termo na metade do ciclo de quatro anos. Gostaria de ter continuado porque tive uma relação fantástica com os jogadores e sentia que as coisas funcionavam. Depois, entendeu-se que era melhor não continuar.

Rui Vitória acredita que o futuro lhe dará um lugar no futebol brasileiro
Rui Vitória acredita que o futuro lhe dará um lugar no futebol brasileiroFlashscore

O seu projeto a quatro anos previa uma reformulação da seleção, com sangue novo e mais competitividade. O argumento que a Federação do Egito foi que você não atingiu os objetivos...

Claro, isso é natural, tentamos resolver coisas que foram surgindo no meio desta engrenagem. Eles tinham de justificar de qualquer maneira. A ideia passava por isto: primeiro a classificação para a CAN. Quando chegamos, estávamos em último lugar, conseguimos ficar em primeiro e fizemos dois jogos eliminatórios para a Copa do Mundo.

Entendi que os jogadores que vieram comigo formaram um núcleo sólido que se foi mantendo ao longo de um ano e meio. Entendi que estes jogadores tinham o direito de estar na CAN. Estamos a falar de idades até os 31 ou 32 anos, que tinham feito o percurso conosco. Queríamos ver o que a CAN ia dar e, depois disso, fazer mudanças.

Já tínhamos feito, contávamos com jogadores de 23, 24 e 27 anos, tínhamos uma base. Gradualmente, íamos substituindo jogadores mais velhos por mais novos. Isso foi apresentado a elementos da direção, antes do torneio, para se fazer essa mudança depois do torneio. Seria uma mudança que mal seria percebida. Alguns jogadores já faziam parte desta faixa etária.

A CAN era importante, com uma particularidade. Alguns destes jogadores tiveram sucesso com a seleção, mas nunca ganharam o título. Tentamos jogar com esse fator emocional. Mas a CAN tem particularidades diferentes do que se passa no ocidente e na Europa. 

 

As dificuldades logísticas na Taça das Nações Africanas
Flashscore

Qual a diferença que você encontrou no futebol da África?

Enquanto na Europa, quando competimos em alto nível, quase se isola a qualidade individual do treinador e dos jogadores para fazer a diferença, na África, em particular na CAN, há muitas mais variáveis em jogo.

Quando viajamos do Cairo para a Costa do Marfim, foram 8 horas e 20 minutos de voo. Os climas são completamente diferentes, umidade imensa, muito calor. Até as oitavas de final, as equipes áfricas-árabes (Egito, Tunísia, Argélia, Marrocos, etc.) foram eliminadas, equipes fortes como Gana também. Na véspera da definição da tabela, houve um sorteio para definir quem ficaria em determinado campo de treino e hotel. Não pudemos escolher o que queríamos. Mesmo que quiséssemos, não tinha hotéis suficientes nesses países e os melhores são guardados para as 24 seleções, reservados pela Confederação Africana.

Ficamos sujeitos ao que restasse para dormir e treinar. Nos preparamos bem para a CAN, com profisisonalismo e reuniões constantes. Mas, uma das coisas que me preocupou sempre, é o tempo que se demora nas viagens de ônibus, que têm um peso enorme. Ficamos um mês juntos. O nosso centro de treinamento ficava a 40 ou 50 minutos do hotel, 50 minutos para lá, mais 50 para voltar, com trânsito bloqueado no meio do caminho e a polícia abrindo estradas para passarmos. Isto vai criando ruído.

No princípio, a motivação está lá e dá para disfarçar. À medida que vamos avançando, sente-se o peso destas questões. A umidade, a temperatura, as viagens, o gramado, os campos de treino, toda essa realidade ao redor faz com que as seleções tenham rendimento elevado ou não.

Não digo isto por mim, mas pelo que a CAN nos vai mostrando. As equipes mais poderosas saíram cedo, depois as equipes menores trabalharam muito bem e tiraram pontos de times fortes. Há muitas equipes, teoricamente não tão reconhecidas, mas que possuem boas academias, bons planos de trabalho, boa visão e que se apresentam muito bem.

Depois, há a variável da temperatura, que foi mesmo difícil e era percetível nas transmissões. As camisas estavam encharcadas. Tudo isto tem influência. Às vezes, é preciso ter um pouco de sorte ou estar naquela onda positiva para se embalar para uma boa campanha. Mas também pode acontecer das coisas começarem mal, com a tendência a não entrar nos eixos.

Para atestar isto, a história do vencedor do CAN é surreal. A Costa do Marfim estava praticamente eliminada, classifica-se quase por mágica e a forma como conquista o torneio é sui generis. Nunca há uma relação direta entre a qualidade das equipes e o resultado.

E quais as peculiaridades do futebol egípcio?

O Egito é um caso muito particular: ao contrário dos outros clubes africanos, tem dois ou três clubes que conseguem segurar os jogadores (Zamalek, Pyramids e Al-Ahly). Lá, são estrelas, não é fácil tirá-los desses clubes.

Já pagam muito bem e os jogadores não saem diretamente para o Chelsea ou Liverpool, têm de fazer um caminho como o Salah, Eghazy e Elneny fizeram, que é sair aos 19 anos e começarem o seu percurso. Há muitos poucos que jogam com 19 ou 20 anos no Egito, para eles ser jovem é ter 24 anos. Falei permanentemente nisto quando estava lá, 24 anos é tarde.

Ninguém vai buscar um jogador com 24 anos para fazer adaptação aos 26 e ter um rendimento para ser vendido para outro lado. Os jogadores jovens não jogam no Egito porque não têm espaço. Há também a questão da língua e da própria vida. Enquanto na Nigéria ou Senegal falam francês e inglês, no Egito a língua corrente é árabe. Quando chegam à Europa, têm muita dificuldade, socialmente é totalmente diferente, sem amigos e família, o sol, o clima. Com a dificuldade da língua, é ainda mais difícil. 

 

Rui Vitória e a relação com Salah
Flashscore

Como é trabalhar com Salah? Ele te elogiou bastante quando saiu da seleção...

É um prazer enorme, tínhamos uma relação ótima com conversas interessantes, particularmente sobre a seleção e o futebol egípcio. Gostei muito de trabalhar com ele, é uma estrela dentro e fora do campo, no sentido positivo. Tem uma grande capacidade de decidir dentro de campo, um apetite e uma apetência para o gol que é quase ímpar, sabe onde a bola vai aparecer e, às vezes, com ações tão simples que não precisa de grande brilhantismo, mas aparecer no momento na hora e lugar certos. 

É o contrário do que imaginamos nestes jogadores, que só pensam em si. Ele é muito humilde e profissional, nada o abala, porque também é regrado. Tínhamos uma margem para tomar o café da manhã, às 9h estava lá sempre na mesma hora. Estes hábitos e rotinas ajudam os jogadores a prolongarem as carreiras e rendimento. Adorei trabalhar com ele. 

 

As propostas recebidas por Rui Vitória
Flashscore

O seu telefone tem tocado para voltar a treinar outro time? 

Quando saí, nas semanas seguintes, recebi alguns contatos, propostas e possibilidades que até estranhei. Primeiro porque, ao estar numa seleção, abriu-se esse mercado de times nacionais. Depois, ao fazer a caminhada na seleção, houve um reconhecimento dos clubes da qualidade. Tive vários contatos. Na altura, disse que não queria treinar, queria voltar para Portugal para estar com a minha família, vamos vivendo dia-a-dia e não queria entrar num clube. Os contatos surgiram, não quis começar, não senti a necessidade de voltar a treinar. Tenho tanta coisa para viver e usufruir que, em determinados momentos, temos de ter a capacidade de fazer essas coisas. Portanto, agora passa por um estado de espírito de ter um sentimento de ir para um clube que me queira. Até agora, ainda não senti isso.

Rui Vitória e um possível regresso a Portugal
Rui Vitória e um possível regresso a PortugalFlashscore

O Brasil pode atraí-lo, em função do bom feedback dos treinadores portugueses que lá estão?

Sim, já houve muitas possibilidades de contatos que surgiram e que eu entendi não ser o momento certo. Mas o Brasil tem uma riqueza de jogadores, vou acompanhando sempre o campeonato, não é nada fácil, um dos mais complicados do mundo por ter um conjunto de equipes de enorme qualidade a lutar pelo topo, um calendário denso...

Por outro lado, vejo todos aqueles times com bons jogadores. O Brasil é talento puro, nunca mais acaba. Há trabalho para fazer, estão a trabalhar cada vez melhor. Só não fui porque as coisas não coincidiram no momento certo. A oportunidade já surgiu e estou convencido que isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde.

Um dos telefonemas que recebeu quando saiu do Egito foi do Brasil?

Foi sim. 

O Brasileirão vai começar dentro de pouco tempo, é provável que aconteça algo até lá ou vai esperar até agosto?

Não creio que vá acontecer nada agora, pelo meu estado de espírito e porque conversas precisam acontecer. Não creio que aconteça algo até ao final da temporada. Não tenho pressa, estou perfeitamente bem, posso ter capacidade de decisão que é algo que sempre ambicionei: treinar quando eu quiser e ter a possibilidade de decidir ir para o clube que quero.

E também não estou, ao contrário de alguns colegas meus, obcecado com esse ambiente de vestiário. Esta passagem por uma seleção fez-me estar um pouco mais distante e lidar com o vestiário de forma diferente.