Mundial de Clubes da FIFA opõe obsessão sul-americana e o "desdém" europeu
Antes de a FIFA assumir a chancela do Mundial de Clubes, sul-americanos e europeus se enfrentavam em uma Copa Intercontinental. O antigo torneio já foi chamado de vários nomes, dentre eles Copa Toyota, e valia a honra de ser apontado como o campeão do mundo.
A competição colocava frente a frente os campeões da Libertadores e da Copa dos Campeões da Europa, que posteriormente assumiria o nome atual de Champions League.
O torneio intercontinental possuía partidas de ida e volta e até mesmo um jogo-desempate. Já nos anos 1970, começou a sofrer o boicote dos campeões europeus, que se recusavam a participar.
Desmotivação europeia tem raízes na pancadaria do passado
O motivo da intriga teve início anos antes, com várias alegações de violência apontadas pelos europeus durante os jogos contra os sul-americanos. Em 1967, por exemplo, na decisão entre Racing-ARG e Celtic, o time escocês, que havia vencido o jogo da ida por 1 a 0, em casa, relatou atos hostis em Buenos Aires, onde perderam por 2 a 1.
Segundo Jock Stein, técnico do Celtic à época, o goleiro de sua equipe teria sido atingido por uma pedra atirada das arquibancadas. A delegação ainda teria encontrado uma faca e dardos no gramado. No jogo decisivo, em Montevidéu, campo neutro, o Racing venceu por 1 a 0, o primeiro título mundial da história de um clube argentino.
Com a "porteira aberta", o futebol sul-americano começou a registrar uma hegemonia na disputa contra os europeus, que tiveram de tomar uma atitude. Eles propuseram que a decisão levasse em conta os gols marcados, evitando o terceiro jogo.
Logo no primeiro ano de mudança, em 1968, o Manchester United perdeu para o Estudiantes, e todos os clubes britânicos campeões da Europa passaram a recusar o convite para participar da Copa Intercontinental.
Durante esse período, "o pau continuou cantando" na disputa, como a icônica decisão ente Estudiantes e Milan, em 1969. Em solo italiano, o Milan venceu por 3 a 0. No jogo da volta, em La Bombonera, a selvageria reinou, inclusive com Néstor Combim, jogador da equipe italiana, fraturando o nariz e o malar após uma cotovelada desferida por um jogador do Estudiantes.
Mesmo com a pancadaria, o Milan sagrou-se campeão naquela disputa, uma vez que a derrota por 2 a 1 foi insuficiente para superar os 3 a 0 em Milão. Com as botinadas dos argentinos e a pouca exposição da violência, já que os jogos não eram transmitidos na TV, os campeões europeus passaram a boicotar a competição, a começar pelo Ajax, em 1971. Com isso, os vice-campeões euroupeus começaram a ser convidados.
Um caso marcante aconteceu em 1973: a Juventus, vice-campeã europeia, perdeu o jogo de ida contra o Independente na Itália, por 1 a 0, e recusou-se a jogar na Argentina. O clube de Avellaneda acabou se sagrando campeão mundial.
O torneio ainda teve um campeão mundial que não foi vencedor em seu continente. Vice em decisão contra o Bayern de Munique em 1974, o Atlético de Madrid derrotou o Independiente e ficou com o troféu.
Mas, no ano seguinte, a competição não aconteceu por falta de consenso entre o Bayern, novamente campeão europeu, e o Independiente.
Em 1976, no entanto, o Bayern de Munique aceitou participar do torneio em simpatia ao futebol do Cruzeiro, que conquistou seu primeiro título da Libertadores ao superar os argentinos do River Plate. Os bávaros se sagraram campeões em dois jogos.
Pouco antes, a imprensa europeia já tratava a disputa com desdém, como no caso da conquista do Ajax em 1972 sobre o Independiente. Os jornais holandeses disseram que o "título não era mais difícil do que um encontro banal na Liga dos Campeões".
O renascimento com a Copa Toyota
Até o fim dos anos 1970, o Mundial esteve à beira do fim. A competição só foi resgatada em 1980, com o dinheiro da empresa Toyota e a Federação Japonesa, que queria impulsionar o crescimento do futebol no país asiático.
Os jogos passaram a ser disputados em duelo único em Tóquio, no Estádio Nacional, com prorrogação e pênaltis em caso de empate. Depois de 12 anos de ausência, os ingleses voltaram a disputar o Mundial, com o Nottingham Forest enfrentando o Nacional do Uruguai.
O formato salvou a disputa, proporcionou jogos memoráveis e colocou os brasileiros em evidência. Mas se a imprensa verde e amarela exaltava as conquistas dos clubes nacionais, a mídia europeia e os clubes locais viam o torneio como um amistoso de luxo, firmado em contrato com a UEFA — e que também serviria para popularizar a marca dos clubes em solo japonês.
FIFA assume o torneio
Em 2000, a FIFA realizou um Mundial de Clubes no Brasil, com título do Corinthians. A entidade colocou-se de vez no cenário da disputa e deu mostras de que queria assumir a chancela dos campeonatos entre europeus e sul-americanos, com um torneio entre todos os campeões continentais.
O Intercontinental em solo japonês seguiu firme até 2004, mas o torneio passou às mãos da FIFA no ano seguinte. O São Paulo abriu os trabalhos e se tornou o primeiro e — até hoje — único tricampeão campeão mundial do futebol brasileiro.
O que não mudou foi o comportamento europeu em relação à disputa. Apesar do amplo domínio de títulos, já que o futebol do Velho Continente ostenta 15 taças desde 2005, os clubes europeus continuam enxergando o certame como uma obrigação.
O calendário da disputa acontece justamente com a metade da temporada europeia e o encerramento de alvos importantes, como a fase de grupos da Champions. Nos últimos anos, porém, clubes como o Real Madrid e o Bayern valorizaram a conquista e exaltaram o feito.
Nada que chegue próximo à obsessão sul-americana. O continente, que não tem um campeão mundial desde o Corinthians em 2012, renova sua esperança com o Fluminense, campeão inédito da Libertadores. Será preciso superar o favoritismo do Manchester City.
A disputa tem se mostrado complicada para as equipes sul-americanas nos últimos anos. Enquanto os europeus seguem "nadando de braçada", os brasileiros têm sofrido para chegar à final.
No último Mundial, o Flamengo, clube mais rico do futebol brasileiro, caiu na semifinal contra o Al-Hilal, da Arábia Saudita. O clube, à época, não tinha o mesmo potencial de investimento de hoje, com contratações astronômicas como Neymar e Mitrovic.
A FIFA planeja um novo e extenso Mundial para 2025. A disparidade pode se tornar ainda maior e aumentar o desafio técnico das equipes sul-americanas contra os europeus, ainda não seduzidos pelo torneio, e os adversários de outros continentes, como os árabes.