OPINIÃO: Por que o desprezo europeu ao Mundial de Clubes incomoda os brasileiros
Meu colega de Flashscore Josias Pereira fez um excelente texto sobre a história do desdém europeu e da obsessão sul-americana. Leia aqui.
Josias explica ali a violência argentina dos anos 70 que assustaram Ajax, Juventus e Nottingham Forest, e também lembra que o Mundial de Clubes sempre acontece no meio da temporada europeia – o que é um empecilho.
Após uma década vivendo entre Inglaterra e Alemanha, ouvi de muitos torcedores locais que há até uma certa boa vontade com o Mundial, mas o torneio jamais vai se tornar pop no Velho Continente.
Quem desdenha não quer comprar
Não é (só) soberba, há uma diferença de percepção da realidade. Historicamente, são os sul-americanos que vão jogar na Europa, e não o contrário; são os sul-americanos que diariamente ouvem falar dos clubes do Velho Continente, não o contrário.
Na década de 90, as principais ligas europeias passaram a ser transmitidas na América do Sul – e não o contrário.
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Isto tudo por conta, sim, da diferença econômica, mas também porque quem colonizou o planeta foi a Europa. Só olhar quem está no centro do mapa mundi: nós literalmente olhamos para antigas metrópoles como o centro do globo.
Repare que a TV Globo tem correspondentes em Nova York e Londres aparecendo em seus jornais cotidianamente. Mas quantas vezes os correspondentes da BBC e da NBC no Rio de Janeiro aparecem nos jornais do Reino Unido e dos Estados Unidos?
Temos este (péssimo?) hábito de olhar para os países dominantes com deferência. Contudo, querer ser reconhecido pelo "mais forte" é um comportamento perfeitamente normal.
Como é fundamental querer que o seu adversário se importe pelo jogo como você se importa – afinal, qual a graça de levar qualquer partida esportiva a sério quando seu rival não está nem aí?
É por isso que os sul-americanos se incomodam tanto com o desdém europeu ao Mundial de Clubes. O desinteresse é uma ameaça ao "contrato social" deste torneio para todos os outros participantes.
Os clubes da Champions League já deixarem bem claro para a FIFA que não gostam do Mundial de Clubes – e isso é de fato muito brochante.
Os latinos da Europa se importam
Apenas Portugal dá destaque para o Brasileirão na tevê (por conta do fuso, que é um pouco melhor do que na Alemanha ou França, por exemplo, mas muito por conta dos técnicos portugueses).
Já a liga portuguesa é completamente ignorada no Brasil. Portugal é a exceção à regra: os patrícios conhecem muito mais o futebol (e também a música e a novela) brasileira, do que vice-versa.
Portugal – e também Espanha – dão mais relevância ao Mundial de Clubes do que os vizinhos possivelmente pela proximidade cultural e pela maior familiaridade histórica com os jogadores e clubes latino-americanos.
Olho no espelho
Você conhece a história do Mazembe? Ou vê o Auckland City como o grande time a ser batido?
Imagine que – como querem os clubes da Champions League – os europeus deixem de jogar o Mundial.
Você daria o mesmo peso ao torneio se os times do Brasil só pudessem enfrentar Tigres, Al-Ahly e afins numa decisão?
E não é por mal, gente. Assim como os brasileiros não acompanham a Liga MX, por exemplo, os ingleses não seguem o Brasileirão.
Não é porque o Brasil vê o México com desdém, mas sim porque não o enxerga como o último cume a ser conquistado, e porque Messi, Mbappé e etc não jogam por lá.
Outro detalhe: se na América do Sul a Liga dos Campeões é transmitida por inúmeros canais no meio da tarde, a Libertadores passa (quando passa) em algum streaming obscuro da Inglaterra às 2h30 da manhã. Não dá para esperar que um torcedor do Manchester United fique acordado de madrugada para assistir Palmeiras x Deportivo Pereira.
Perguntei nesta segunda (11) para um fanático torcedor inglês do Liverpool – que viveu no Brasil por anos – como ele descreveria o Mundial de Clubes.
"Amistoso glorificado", respondeu, acrescentando que "foi até legal para o Liverpool finalmente vencer o título (contra o Flamengo, em 2019)".
E este cara tem até camisa do ABC de Natal.
Por conta da rivalidade e do desafio esportivo, o ápice para os ingleses é vencer a Champions.
Repare que não é só pela fascinação, mas também pelo desafio esportivo que no Brasil damos foco para o possível encontro entre brasileiros e o time europeu no torneio da FIFA.
Só que a recíproca não é verdadeira.
Se você acha que o torneio da FIFA é mais importante para o seu clube que o torneio continental, não tem problema. Mas não há como esperar que os europeus façam o mesmo.
E se você quer um desafio em pé de igualidade com os ex-colonizadores, chame a Copa do Mundo.