Entenda por que mercado da bola não está aquecido a dias do fechamento da janela
Tudo se deve à liga mais importante do momento: a Premier League. Nessa janela do inverno europeu, os clubes ingleses gastaram apenas 55 milhões de libras (R$ 355).
Quem mais gastou até aqui foi o Tottenham Hotspur, que investiu 21 milhões de libras com Radu Dragusin, ex-Genoa. O negócio foi uma relativa pechincha, considerando a idade e o perfil do jogador.
O Manchester City é o único outro clube da PL que gastou mais de 10 milhões de libras, comprando o jovem Claudio Echeverri junto ao River Plate.
Para colocar estes gastos em perspectiva, nas últimas cinco das sete janelas de transferências do começo do ano os clubes da Premier League desembolsaram mais de 200 milhões de libras.
No ano passado, foram mais 780 milhões de libras somente em janeiro.
O fator Johnson
A "mesquinharia" deste ano, especialmente nos clubes da parte inferior da tabela, se vê tanto na preocupação em comprar quanto pela vontade de ganhar o máximo possível nas vendas.
A transferência de Brennan Johnson no meio do ano escancara esta dinâmica.
Johnson foi transferido do Nottingham Forest para o Tottenham por cerca de 60 milhões de euros no última da janela de setembro, depois que o Forest recusou um valor mais alto no início da janela.
Por se tratar de um jogador formado em casa, qualquer dinheiro ganho no negócio é rotulado como "lucro puro", o que dava ao Forest uma enorme motivação para esperar.
É aqui que entram em jogo as "regras de lucro e sustentabilidade" (PSR) da Premier League.
De acordo com elas, os clubes podem ter um prejuízo de até £133 milhões em um ciclo de três anos, sendo que o ponto de corte atual para cada ano é 30 de junho.
Isso ocorre, é claro, dois meses antes do fechamento da janela entre-temporadas e os clubes não podem incluir qualquer lucro obtido nessa janela em suas contas do ano anterior. Essa é a razão pela qual o Everton recebeu uma dedução de 10 pontos no início desta temporada e poderá enfrentar mais problemas no final deste ano.
Obviamente, há falhas nessas regras e isso está sendo analisado pela liga, mas, por enquanto, o Forest, que gastou muito para permanecer na Premier League ao retornar após a promoção em 2022, está preocupado com uma possível dedução de pontos que pode significar um rebaixamento para a segundona. Mais uma razão para maximizar as vendas quando possível para equilibrar as contas.
Além disso, os clubes em posição de comprar estão analisando com ceticismo a avaliação dos jogadores formados em casa, já que os vendedores buscam criar o máximo de liberdade financeira possível.
Com esse turbilhão de problemas financeiros que ofusca os clubes, aqueles com orçamentos mais apertados têm menos probabilidade de gastar para se livrar dos problemas - algo que vimos na última temporada.
O Leeds gastou mais de 35 milhões de libras em janeiro passado em sua tentativa de se manter na primeira divisão, enquanto o Southampton adquiriu quase 60 milhões de libras em novos talentos, mas acabou na lanterna na tabela.
O riscos de gastar muito sem ter retorno esportivo fez com que os times recém-promovidos Sheffield United, Luton Town e Burnley não botassem a mão no bolso. Os três contrataram um total de cinco jogadores, a maioria deles por empréstimo.
Essa estratégia pode não fazer com que eles permaneçam na Premier League, mas certamente não causará danos existenciais caso sejam rebaixados.
Esse jogo de risco também está sendo sentido no topo da liga. O Chelsea, que normalmente é perdulário, está aberto a ofertas por Conor Gallagher devido ao seu status de cria da casa - agora conhecido como o "fator Johnson" -, já que eles estão encrencados com a PSR.
O efeito dominó
Devido à quantidade de dinheiro na Premier League, as principais ligas da Europa tendem a vender caro para a Inglaterra e depois comprar talentos com esse dinheiro em outro lugar. No entanto, como os ingleses gastaram pouco, o resto do continente também puxou o freio.
O Bayern de Munique comprou Eric Dier - indesejado no Spurs - por um preço baixo, enquanto o Borussia Dortmund, outro grande clube da Bundesliga, contratou apenas Jadon Sancho por empréstimo em um acordo com o Manchester United no qual os Red Devils continuaram pagando uma parte significativa dos salários do jogador.
O Genoa, por exemplo, parecia propenso a comprar Vitinha do Olympique de Marselha com o dinheiro do Dragusin, mas acabou optando por um contrato inicial de empréstimo com opção de compra no verão europeu.
A cautela para gastar está sendo sentida em todos os lugares.
O que dizer da Arábia Saudita? Eles têm gastado muito dinheiro nas últimas janelas, comprando estrelas envelhecidas ou indesejadas da Europa por preços inflacionados e, portanto, permitindo que esses clubes tenham mais espaço para respirar quando se trata de fair play financeiro.
Mas a maior movimentação na Saudi Pro League até agora em janeiro foi o brasileiro Renan Lodi, que trocou o Olympique de Marselha pelo Al-Hilal em um negócio que gira em torno de 23 milhões de euros. Compare isso com a mega transação de Cristiano Ronaldo para o Al Nassr e você verá a diferença.
O futuro das transferências
Há outros fatores externos em jogo também. A Copa da Ásia e a Copa das Nações Africanas prejudicaram o mercado até certo ponto. Os jogadores que estão fora com suas seleções tendem a esperar voltar às ligas antes se transferirem para outro clube - e ambos os torneios deste ano terminam após o fechamento da janela.
Os clubes com estratégias sólidas tendem a gastar mais na pré-temporada, quando os treinadores têm mais tempo para adaptar as novas contratações aos seus sistemas e estrutura, ou os novos técnicos têm tempo para buscar novas contratações para melhorar a equipe.
Apesar de tudo isso, a falta de gastos nesta temporada pode ser uma tendência que continuará. Ou será que estamos vendo uma exceção ao que era a regra?
Considerando as pressões das ligas e competições sob as regulamentações de estabilidade financeira e o risco que supera a recompensa - como visto nas punições aplicadas ao Everton e ao Nottingham Forest -, parece que isso é algo com o qual devemos nos acostumar.
Se a Premier League continuar sendo o catalisador do comércio de jogadores, outros clubes terão que encontrar outras maneiras de financiar suas equipes.
O foco nos jovens talentos será fundamental, assim como os contratos bem construídos para maximizar o valor, mas as regras que obrigam os times a gastar de forma adequada e responsável podem trazer uma mudança radical para o futebol como não se via há mais de duas décadas.