Raúl Jiménez: o maior artilheiro da história do México que nasceu duas vezes
O jogador, revelado na base do América, já era um ídolo no país naquele trimestre de 2020, mas também em uma pequena cidade inglesa de pouco mais de 260 mil habitantes. Raúl Jiménez sabe que, pelo resto da vida, não pagará a conta de uma refeição em Wolverhampton, onde seu rosto é sinônimo de felicidade.
Na cidade rica em engenharia e em mão de obra aeroespacial, há também uma paisagem de vida tranquila com arquitetura elisabetana e um campo onde o time conquistou vaga de equipe regular da Premier League.
O Wolverhampton, longe das pressões dos holofotes dos grandes times da liga, ofereceu ao centroavante um cenário ideal semelhante ao que encontrou no Benfica, em Portugal, em 2015, um ano depois de sucumbir às exigências de Diego Simeone no Atlético de Madrid.
Alguns torcedores e a imprensa mexicana tentaram fazer com que a transferência para o Wolves parecesse um passo atrás, após pouco mais de dois anos no clube português. Mas o atacante entendeu que tinha uma oportunidade única para provar - se alguém tinha alguma dúvida - que ele poderia ser o "9" de elite com que sempre sonhou.
Wolverhampton: seu lugar no mundo
Em 11 de agosto de 2018, Jiménez entrou em campo no Molineux Stadium para o primeiro jogo do Wolverhampton na Premier League de 2018/19. Vestir amarelo, como fez na infância no América, foi um bom presságio na estreia tão aguardada pelo jogador, que terminou levando a torcida aos gritos após o gol que empatou o jogo por 2 a 2 contra o Everton.
Daquele dia em diante, o atacante foi amado por torcedores fervorosos que encontraram nele um pretexto para sorrir. De repente, pela primeira vez na história, o Wolves venceu três jogos consecutivos e o povo da cidade inglesa começou a acreditar que poderia competir por algo além da habitual luta contra o rebaixamento.
Um mês depois de Jiménez se tornar o jogador com mais gols do Wolverhampton em uma única temporada na história do clube, a diretoria decidiu comprá-lo e desembolsou 38 milhões de euros (cerca de 229 milhões de reais) por um contrato de quatro anos - a compra mais cara do clube desde a sua fundação.
O Wolves se classificou para a Liga Europa e o mexicano foi eleito pelos torcedores como o melhor jogador da temporada. A campanha seguinte foi uma consolidação na Inglaterra para um Raúl que não teve a participação que esperava na Copa do Mundo de 2018.
Com sede de glória, o centroavante se firmou ídolo absoluto dos Wolves, que viveram uma temporada europeia dos sonhos. Na Liga Europa, o time chegou até as quartas de final e o mexicano, com 27 gols e partidas memoráveis, foi eleito pela torcida e pelos companheiros de equipe como o melhor jogador do ano.
Raúl chegou à temporada 2020/21 como referência total em uma equipe que começava a se desenvolver em torno de suas habilidades. No 100º jogo com o Wolves, o jogador assinou uma prorrogação de quatro anos de contrato e afastou os rumores de uma transferência. O futuro parecia cada vez mais brilhante até o fatídico 29 de novembro, quando o Wolverhampton enfrentou o Arsenal.
Ponto de virada
Raúl disse, em várias entrevistas a jornais, que não se lembra de nada do que aconteceu naquela noite que chocou um país inteiro. O atacante não se lembra do escanteio, aos cinco minutos de jogo, nem de como saltou para disputar a bola em busca de um gol e da forte colisão de cabeças com o brasileiro David Luiz.
Ele também não se recorda de ficar caído no chão, com sangue escorrendo do nariz e sem sinal de vida, ao mesmo tempo em que as equipes médicas de ambos os times corriam para atendê-lo. Tudo em meio à comoção de colegas de equipe e adversários como o zagueiro brasileiro - que também sangrava, mas estava consciente - que viam que não havia a menor reação por parte do mexicano.
Em poucos minutos, a notícia se tornou viral no México. Foram os oito minutos mais longos da vida de Raúl. Ele foi tratado com o máximo de cuidado para ser imobilizado antes de ser colocado em uma maca com um respirador artificial. "Eu soube imediatamente que se tratava de uma lesão grave", disse Matt Perry, chefe da equipe médica dos Wolves.
Diagnóstico e recuperação
Perry acompanhou Jiménez durante todo o tempo e ficou com ele quando o mexicano deu entrada na emergência de um hospital de Londres, onde foi confirmada a gravidade do que havia acontecido: uma fratura no crânio.
Quando recuperou a consciência, a primeira coisa que Raúl fez foi se comunicar com a esposa Daniela. No rosto dela, ele se deu conta que algo grave havia acontecido. Ouvindo os médicos, parentes e colegas, e observando as imagens, o mexicano entendeu que esteve perto de perder a vida.
Foi um momento de incerteza e profunda introspecção. Em meio ao desejo de jogar na Copa do Mundo de 2022, no Catar, o jogador percebeu que precisava, mais do que nunca, se apegar aos entes queridos e ao futebol, que tinha sido seu refúgio desde criança.
Embora em meados de dezembro, três meses depois, ele tivesse visitado a sessão de treinamento da equipe e dito ao técnico, Nuno Espírito Santo, que estava pronto para voltar, o mexicano teve que passar por um processo de reabilitação lento e complicado.
Foram meses em que sua mãe, Martha, o ajudou a ler e tricotar para melhorar o lado neurológico, antes que Raúl voltasse à academia e aos treinos. Em julho de 2021, o mexicano conseguiu voltar a jogar uma partida de futebol com uma proteção especial na cabeça.
O retorno
Dois meses depois, em uma partida contra o Southampton no St. Mary's Stadium, ele marcou novamente. Aquele grito, 300 dias depois do que aconteceu no gramado do Arsenal, foi um alívio emocional.
Mas, por um tempo, Jiménez não foi o mesmo. O jogador dizia se sentir confiante e seguro para continuar a competir, mas suas atuações estavam longe das que o tornaram referência para o clube. Aqueles no seu entorno não o abandonaram e o consolaram. Quando teve de sair, foi aplaudido de pé.
Casa nova
O próximo destino foi o Fulham. E, assim como no Wolverhampton, o atacante encontrou outro motivo para sorrir. Com mais jogos desde a lesão e com a confiança total do clube, voltou ao auge. O início da temporada foi melhor do que o esperado. Os gols significaram pontos importantes para a equipe e ele se estabeleceu como titular.
A fome de glória intacta e o esforço de uma reabilitação voraz devolveram os frutos da paixão. Em 28 de setembro, Raúl estava mais uma vez no placar. Seu grito foi ensurdecedor. Era seu 100º gol na Europa, ao lado do legado de Chicharito e Hugo Sánchez. Uma conquista digna de sua capacidade e resiliência.
A resiliência que o jogador demonstrou na recuperação na época em que poucos estavam com ele. Foi o momento em que ele teve certeza de que havia voltado para deixar claro a todos que nascer de novo sempre valeria a pena.