Técnico Pepa em entrevista ao Flashscore: "A diretoria do Cruzeiro me decepcionou"
Como está sendo a experiência no Catar?
Está sendo uma surpresa positiva, sinceramente. Estou gostando muito, em termos de adaptação foi fácil. O português é aventureiro. Quando se diz que o treinador português é um dos melhores do mundo, acho que não é só o treinador, é em várias áreas. Acho que somos mesmo bons, porque temos humildade de ouvir, adaptar e não arranjar desculpas, mas soluções.
Minha família também gosta muito. Falta só o voo direto, mas já me disseram que em junho passa a existir um voo direto entre Lisboa e Doha, o que vai facilitar. Eles receberam a Copa do Mundo em 2022 e vejo o Oriente Médio ampliando seu investimento no futebol.
Sente também que as pessoas destes campeonatos emergentes buscam conhecimento pensando nesta evolução?
Sem dúvida. Se um treinador chega a um clube daqui acomodado, pensando que vai trabalhar durante seis meses ou um ano e não se vai desgastar com certas coisas, está enganado. Tive experiência neste sentido no Al-Taee, da Arábia Saudita. Quando saí, tive a certeza que o clube estava melhor.
Aqui, não se pode ficar acomodado. Alguns problemas simples, que se resolvem rapidamente em Portugal, aqui demoram muito mais tempo. Há coisas difíceis de se acreditar, mas é preciso ter a capacidade de explicar, argumentar e tentar entender o porquê das coisas, reforçar que não estamos de implicância. Queremos ajudar o clube e os jogadores. Quando o Pepa sair do Al-Ahli, tenho a certeza que muitos dos treinadores vão encontrar situações mais bem resolvidas. É uma das tarefas dos treinadores.
Outra experiência muito diferente que você teve foi no Brasil…
Foi fantástico, as pessoas às vezes até ficam surpreendidas quando eu digo que gostei muito. Foi uma pena. Eu até pensava que, como era uma SAF, ia ter mais respaldo no momento mais crítico.
Fiquei decepcionado e triste com a decisão da direção do Cruzeiro, porque estávamos bem, cumprindo os objetivos e até próximo superaá-los, mas são coisas que eu controlo. O que eu controlo é o meu trabalho, o dia a dia. Sendo mais sintético na resposta, gostei muito por inúmeras razões, mas uma delas é a paixão pelo futebol de tudo e todos, às vezes até exagerada. Mas, é melhor a mais do que a menos. A qualidade técnica dos jogadores é uma coisa absurda.
Do ponto de vista tático, já implica mais trabalho do treinador…
O que eu senti no Brasil é que eles conseguem, fazem e percebem. Muitas vezes, o treino no campo é só para tirar uma fotografia. Isto é uma maneira de falar. Mas temos de trabalhar muito à base de vídeo, grafismos e de estratégia, sem trabalhar tanto no campo, porque não há tempo.
Aí é que aparece a inteligência do jogador. Senti uma grande diferença para a Europa na parte emocional. O jogador brasileiro não percebe tanto o jogo. Ele até percebe, mas a parte emocional é tão brasileira, tão quente na emoção e na explosão de sentimentos que, às vezes, acontece um pequeno atrito e ele se enfurece. Na Europa, isso pode desestabilizar e equipe e o jogador, vai estragar o jogo.
O que faltou até ao momento para o Pepa ter um projeto mais ambicioso no futebol português?
Sinceramente, penso que não faltou nada. A saída do Vitória de Guimarães foi uma surpresa para mim. Um choque de ideias, uma coisa parecida com o jeito brasileiro, na maneira de falar, uma coisa mais quente entre eu e o presidente, algo que faz parte. Saí e continuo a torcer pelo clube, que é fantástico em todos os sentidos. Mas penso que estava fazendo um bom trabalho desde lá de baixo.
Orgulho-me de, até hoje, ter conseguido os objetivos por onde passei, às vezes até os superando. Sei que vai chegar o dia em que não vou conseguir atingir o objetivo proposto, mas ainda não chegou. Digo isto com muita satisfação e orgulho. No Vitória, conseguimos alcançar competições europeias no primeiro ano. No segundo, saí por causa de um episódio entre treinador e presidente, algo que faz parte.
Mas senti que, naquele segundo ano, as coisas estavam melhores que o primeiro, fazendo uma temporada igual ou melhor, com chances de ir além na temporada seguinte. Ali poderiam ser abertas portas para Benfica, Porto e Sporting. Ao sair de Portugal, percebo porque muitos poucos treinadores voltam. Essa é a realidade.
Para lá de muito racional, você é um homem de emoções, sentimentos e não pretende voltar tão cedo...
Não vale a pena, sei que sou muito frio e realista nessas análises. Tive duas temporadas fantásticas no Paços de Ferreira, além do Vitória. A probabilidade de chegar a um clube que me dê condições para lutar por um título aumentou nessa fase. Agora sei que diminuiu, tenho noção disso.
Não quer dizer que não possa acontecer, mas sei que a probabilidade de voltar é mais baixa. Acho que só volto para Portugal se for para Benfica, Porto e Sporting, times que é difícil dizer não. É aquele sonho de ser campeão. Não acontecendo isso e, com todo o respeito e humildade que possa ter por todos os clubes, neste momento não pretendo voltar.
Tem acompanhado o campeonato português?
Acompanho tudo o que posso, quando o fuso horário permite. A manutenção está possível para todos. Lembro do que passei no Tondela e tudo é possível. Ficamos por um gol, não foi um ponto. Se isto fosse em outro país, dava um filme. Nas competições europeias, as coisas estão definidas. O Vitória faz um campeonato brutal, não tão entusiasmante na forma como joga, mas em termos de rendimento está indo muito bem.
O clube já se garantiu praticamente em competições europeias e agora pode dar-se ao luxo de brigar pelo quarto lugar. Pelo título, vejo o Sporting mais consistente desde o início, foi crescendo e atingiu um patamar. O próprio Rúben Amorim já assumiu que é a melhor equipe que tem desde que está no Sporting. Tem muitas opções, um futebol difícil de se enfrentar.
O Benfica tem oscilado muito, mas tem individualidades que podem resolver o jogo a qualquer momento. O Porto está no melhor momento agora, mas pode não ter tempo de recuperar tantos pontos. Nesta reta final, o Sporting está dois metros à frente do Benfica e um metro à frente do Porto.