Futebol 360: Planejamento dos clubes no Brasil vai só até a primeira crise
Com a chegada das SAF’s no Brasil, o nosso futebol vem passando por transformações significativas. Em campo, vemos contratações mais impactantes pelo aporte financeiro. No extracampo, uma gestão profissional, com a ampliação dos departamentos administrativos e tecnológicos.
Administrativamente, os clubes estão se estruturando de uma forma diferente, com inovações metodológicas, planos de ação e direcionamentos mais claros. Por outro lado, esse novo modelo administrativo tem causado choque de ideias com aqueles que estão acostumados com “a moda antiga” de administrar um clube, levando mais em consideração a emoção, o “achismo” e colocando o coração na ponta da caneta.
Uma frase muito utilizada pelos mais antigos é a seguinte: “Aqui sempre foi assim e deu certo, agora querem mudar tudo”.
O que é preciso entender é que ninguém quer ser o descobridor do modelo administrativo do futebol moderno ou ensinar como se administra um clube. O que foi feito no passado deve ser levado em consideração. Até porque, se não fossem por eles, os clubes não estariam de pé até hoje.
E realmente “deu certo” até aqui. Porém, os clubes precisam seguir em evolução. O futebol evoluiu em todos os sentidos e, administrativamente, não pode ficar para trás. Particularmente, sou a favor desse novo modelo administrativo, sendo SAF ou não. O modelo de administração profissional irá elevar o nível dos clubes.
Planejamento estratégico
Para fazer mais sentido a coluna de hoje, vou explanar de forma breve e pontual o que é um planejamento estratégico. Trata-se do direcionamento traçado pelos clubes, que contém a junção de ações e metas que visam a sustentabilidade e elevação do patamar do clube através de processos. A grosso modo, é você viver o presente, pensando no seu futuro e sem se esquecer do passado.
Acho que confundi mais a cabeça de vocês (rs). Quando eu digo viver o presente pensando no futuro quero dizer que as ações tomadas no presente devem ser direcionadas para uma melhoria imediata, consistente e duradoura. Desta forma, o clube poderá colher seus frutos futuramente pelo que está sendo executado no presente.
E porque sem esquecer o passado? As ações do passado, que não deram certo, devem servir como balizadoras para que os erros cometidos não voltem a ser repetidos. Dentro de um departamento de futebol, a ideia é a mesma: o planejamento de curto, médio e longo prazo deve estar bem claro para que todos os envolvidos saibam em que direção a “embarcação” está indo.
Qual o prazo de validade do planejamento no futebol?
Costumo dizer que, no futebol brasileiro, o planejamento estratégico dura até a primeira crise. Quando a crise chega, e é certo que chegará em algum momento, aqueles que estavam de acordo no início do planejamento já não estarão mais. As convicções se perdem e os processos não são mais usados. A emoção toma conta e muitas decisões são definidas de forma precipitada.
Eu vejo que os clubes sempre iniciam o ano com um planejamento estratégico bem desenhado, mas encontram muita dificuldade para colocar em prática. Infelizmente, muitas vezes, quem está no comando se deixa levar pela emoção, pela falta de convicção e, como na maioria dos casos, pela pressão exercida interna ou externamente (políticas internas, mídia e torcida). Entendo que existam momentos que precisam de mudanças e são inevitáveis.
Agora chegamos no momento principal do texto: porque, na maioria das vezes, o treinador é sempre a primeira opção a ser mudada? Já ouvi algumas respostas como: “Por que é mais fácil mandar um embora do que onze”; “Para dar uma resposta ao torcedor e para a imprensa”, entre outras.
Em alguns casos, a troca de treinador funciona, mexe com o ambiente e espalha a responsabilidade entre os atletas. Mas cada caso é um caso e nem sempre essa troca é a melhor solução. Existem dados que indicam que os clubes que mais trocam de treinadores na temporada são aqueles que costumam lutar contra o rebaixamento.
Sempre achei que os treinadores deveriam fazer parte do planejamento estratégico do clube. Não que eles devam participar da elaboração do planejamento, mas o clube deve escolher um treinador que se enquadre naquilo que foi colocado no planejamento, com relação ao modelo tático, metodologia de trabalho, perfil comportamental, etc. É importante o clube escolher alguém que acredite que tenha potencial para alcançar as metas desportivas de curto, médio e longo prazo.
Caso Vojvoda no Fortaleza
São raros os gestores de clubes que mantém ou bancam seu treinador nos momentos de crise. Infelizmente, a demissão do treinador, nesses momentos, é quase uma questão cultural.
“Se o clube está em crise, manda o treinador embora que resolve”. Na prática, não é bem assim. É necessário observar a complexidade do todo, ter um olhar macro da situação. Trago um grande exemplo para vocês, que talvez tenha passado despercebido por alguns.
O Fortaleza Esporte Clube, ao longo dos anos, vem passando por uma transformação importante administrativamente.
Seu nome cresceu no cenário nacional e internacional. Podemos dizer que o Fortaleza está na primeira prateleira do futebol brasileiro. Mas a que se deve essa evolução? No meu ponto de vista, para alguém que acompanha de longe, fica muito claro que o modelo de gestão adotado ao longo dos anos tem feito toda a diferença.
Mas o que eu quero frisar foi um acontecimento raro no futebol brasileiro protagonizado pelo Fortaleza, seus gestores e seu treinador argentino Juan Pablo Vojvoda, que chegou ao clube em maio de 2021 e se encontra no cargo até hoje.
Ele é o segundo treinador mais longevo atuando no Brasil, atrás somente do Abel Ferreira, treinador do Palmeiras, que está no cargo desde outubro de 2020.
Preço pago pela convicção
O Fortaleza estava vivendo um capítulo “mágico” em sua história. Em 2022, pela primeira vez, disputou uma Copa Libertadores da América. Por outro lado, no Brasileirão, o clube não vivia bons momentos. Na virada do turno, o clube amargava a última colocação com apenas 15 pontos e estava fadado ao rebaixamento. E agora, o que fazer? Para 99% das pessoas, a solução era clara: manda o treinador embora e tudo estará resolvido.
Porém, o presidente do clube, Marcelo Paz, juntamente com sua diretoria, decidiram bancar o treinador acreditando no planejamento feito no início. No final da mesma competição, o Fortaleza terminou na 4ª posição, conquistando, pela segunda vez consecutiva, a classificação para a Libertadores.
Tenho certeza que a diretoria do Fortaleza sofreu muita pressão interna e externa para que houvesse a demissão do treinador. Mas, como escrevi no início, cada caso é um caso e todo o contexto deve ser levado em consideração. Neste caso, vimos a importância de quem está a frente do processo ter convicção do seu planejamento e não ser levado pela emoção.
Dados atuais
Fiz um levantamento e 16 trocas de treinadores já aconteceram na edição de 2023 do Brasileirão (dados antes do fechamento da 23º rodada da competição). A média é pouco superior a uma troca a cada duas rodadas. O último a ser demitido foi o treinador do Bahia, Renato Paiva, após um empate por 1 a 1 contra o Vasco.
O que mais me espanta é que, praticamente a cada rodada, temos um treinador com a "corda no pescoço". Basta um tropeço que o nome entra na lista dos ameaçados e a “plateia” fica à espera, aguardando quem será o nome da vez. Desde o início da era dos pontos corridos, a temporada 2012 foi a que teve menos trocas de treinadores: 20 no total.
A temporada com mais trocas foi a de 2003, com o impressionante número de 40 demissões. Somente a título de curiosidade: o maior campeonato europeu, a Premier League, teve seu recorde de trocas de treinadores na temporada passada com 14, envolvendo 11 clubes.
Conclusão
Não estou dizendo que os dirigentes devem entregar as chaves do clube aos treinadores ou fazer vista grossa aos seus equívocos. Também não concordo com isso. O que eu digo é que os dirigentes devem ser convictos dos seus planejamentos traçados no início de cada temporada para não alteraem a rota a cada crise que aparece.