Exclusivo: Ex-Real Madrid, Sahin fala de dificuldades com Mourinho e relação com Klopp
Sahin pendurou as chuteiras e decidiu ser técnico após sentir que seus melhores dias como jogador tinham ficado para trás. Agora, está em sua terceira temporada no comando do Antalyaspor. O ex-meia se aposentou dos gramados em outubro de 2021, justamente no time que treina hoje.
Em uma conversa de 45 minutos com o Flashscore, Sahin não deixou de revelar o que deu errado no Real Madrid. O turco também contou como aceitou a abordagem dura de José Mourinho, anos depois de deixar o Santiago Bernabéu.
Inspirado por nomes como Jürgen Klopp e Thomas Tuchel, o jovem treinador elogia a revolução tática liderada por Roberto De Zerbi no Brighton. Além disso, gostaria de ter conhecido de perto a mente magistral de Pep Guardiola.
Sahin foi para Harvard para completar sua formação fora do futebol; depois, para a África, para reaprender a ser feliz. Tudo isso e muito mais é abordado na entrevista a seguir.
Você tem apenas 35 anos, e deixou de jogar há dois. A aposentadoria não veio muito cedo?
Todo mundo me pergunta isso (risos). Tive uma carreira de 17 anos como jogador. Comecei a jogar profissionalmente quando tinha apenas 16 anos. Vivi todos os momentos, bons ou ruins, de uma forma muito intensa. Depois, surgiu a proposta do Antalyaspor. Acordo todas as manhãs e estou vivendo meu sonho. Nem sequer tenho tempo de sentir saudades de jogar futebol.
Joga mais alguma coisa?
(risos) No meu primeiro ano, fizemos uma temporada muito boa. Falei com o presidente: "Olha, se quer nos surpreender, construa um campo de padel". E agora temos um campo de padel como bônus pela grande temporada que fizemos. Aprendi a jogar na Espanha e adoro.
Não veio à cabeça fazer uma pausa no futebol?
Nunca disse a mim mesmo: "Quando parar de jogar, vou para a praia durante um ano. Ou para Nova York". Em 2015, tive uma lesão muito grave, fiquei fora durante um ano. O médico me disse que havia a possibilidade de não voltar a jogar. Comecei a pensar no que viria a seguir, me interessei pelo que poderia fazer depois do futebol. Fui para a universidade, para Harvard, e tentei observar o que se passava à minha volta. Comecei a tomar nota.
Então, também se formou fora do futebol...
Queria fazer isso, sim. Viajei para a África para conhecer pessoas, para ver como se vivia lá. Queria dar mais valor à minha vida. Não era feliz. Tenho dois filhos extraordinários, a minha família me ajudou muito. Tinha de continuar a trabalhar para dar a eles também um exemplo a seguir. Falei com os treinadores, com os jogadores, para compreender cada vez mais.
Você tem aqui, nas paredes de seu escritório, algumas citações de treinadores famosos. O que elas significam para você?
Uma delas diz: "Nunca se esqueça que está trabalhando com pessoas e não apenas com jogadores de futebol". Optei por emoldurá-las e pendurá-las na parede. Por vezes, temos a tendência de esquecer o lado humano das coisas, e é muito importante não fazer isso. Não sou apenas um treinador, sou um homem que trabalha como tal. É preciso ter sempre isso em mente e abordar o lado humano dos jogadores, que são muito mais do que o seu futebol.
Jürgen Klopp é a figura mais importante em termos de treino?
Tive grandes treinadores, para ser sincero. Penso que trabalhei com alguns dos melhores do mundo. Gostaria de ter trabalhado também com Guardiola, mas isso nunca aconteceu. Trabalhei com José Mourinho, Guus Hiddink, Fatih Terim e Thomas Tuchel. Mas o meu período mais longo foi com Klopp. Ele e Bert van Marwijk são muito, muito especiais para mim. Bert me promoveu ao time principal do Dortmund quando eu tinha apenas 16 anos.
Como Klopp fazia você se sentir?
Ele criou um ambiente em que todos se sentem valorizados. Ele quer que todos se sintam responsáveis, valorizados e necessários. Se eu for para o meu escritório de manhã e não disser "olá, obrigado" à senhora da limpeza, e não falar um pouco com ela, acho que não faz sentido eu ganhar no fim de semana quando o time jogar. O equilíbrio entre ser um profissional de futebol e ser uma pessoa real é muito difícil de alcançar. Nunca devo esquecer o lado humano das coisas.
Quem é o Sahin como treinador? Mais Klopp do que qualquer outro?
Tento ser eu mesmo. Sou novo neste trabalho. Estou trabalhando há algumas dezenas de meses, mas parecem dezenas de anos (risos). Quero criar as minhas próprias ideias sobre futebol, mas me baseio no que aprendi com os treinadores que tive. Tento combinar as coisas, mas me mantenho sempre fiel à ideia de ser eu mesmo.
Estou falando com você agora, mas não sei o que se passa no seu cérebro. Você também não consegue entrar no meu. O mesmo acontece com o treino. É certo que gosto de um estilo de futebol, mas é o meu próprio jogo que gosto de jogar. Não gosto de copiar, tenho as minhas próprias ideias. Mas também gosto do estilo do Tuchel. Acho que uma mistura com o Klopp é a melhor receita para mim.
O que o treinador Nuri Sahin diria ao jogador? E o que o jogador diria ao treinador?
Essa é uma pergunta difícil! (risos). O treinador diria ao jogador que ele está muito bem no jogo posicional. Sempre fui um jogador que queria controlar o jogo, ter a bola e marcar o ritmo. Por vezes, gostava de ter alguém como eu na equipe, mas tenho grandes profissionais em campo, também. Quanto à segunda parte da pergunta... Sempre desejei ter um treinador como estou tentando ser. Cometo os meus erros, claro, e há quem não esteja contente comigo, mas estou dando meu melhor.
Alguma vez se refere ao jogador Nuri Sahin quando treina?
Esse é o maior erro que cometemos como treinadores. Eu não era o jogador mais rápido, mas agora tenho atletas muito rápidos no meu time, por exemplo. Não posso me comparar com os outros. Se quero ser treinador, então o jogador Nuri Sahin não pode existir na minha cabeça.
Uma vez tive uma conversa com Patrick Vieira, que era um meia extraordinário, e ganhou tudo como jogador. Ele me disse: "Esquece o jogador. O jogador está acabado. Nuri, o jogador já não existe mais". Se eu tiver isso em mente, tenho chances de me tornar um treinador melhor.
Como você aprende?
Sou um bebê engatinhando, mal aprendi a andar. E quando se aprende a falar, é bom ter à nossa volta pessoas que já andam. Tento colocar em prática tudo o que aprendo. Não copio, mas algumas das pessoas com quem estou em contato já viveram tudo. Falo com muitos treinadores, e também aprendo muito com os meus auxiliares.
Fui ver o Luciano Spalletti quando ele estava no Napoli, tivemos uma conversa muito agradável sobre a forma como ele vê o futebol. Assisti a uma sessão de treino e foi impressionante. Durou 30 minutos, mas ele estava tão presente em tudo, ditando tudo. Ele era o chefe, sentia-se a presença dele.
Continua em contato com José Mourinho?
Sim, nos falamos. Eu estava interessado em um jogador da Roma, e tivemos uma conversa rápida.
Você teve uma relação complicada com ele no Real Madrid?
Em Madri, vivi o ano mais difícil da minha carreira. Estava lesionado, não joguei muito. Havia superestrelas à minha volta, e também um treinador superestrela. O estilo era completamente diferente do de Jürgen Klopp. Passar do Jürgen para o Mourinho... São completamente diferentes. Tive dificuldades.
Mas no dia em que saí, tive uma conversa com Mourinho, e o que eu adoro nele é o fato de ser muito honesto. Ele nos bate na cara: boom! Se você for bom, é bom. Se for ruim, é ruim. Eu era jovem, estava batalhando. Eu me perguntei: "O que ele está fazendo? Por que ele é assim?' Mas ele era honesto. Quando me sento aqui como treinador e penso no tempo que passei com José Mourinho, não consigo dizer nada de negativo.
Sente que ele mudou ao longo dos anos?
Vi o documentário do ano dele no Tottenham e acho que não. Aprendi muitas coisas com Mourinho. Ele é um vencedor. Faz tudo para ganhar.
O Real Madrid surgiu muito cedo para você como jogador?
O meu sonho de criança sempre foi jogar no Real Madrid. Em termos de jogo, eu poderia ter atuado pelo Real Madrid, sem dúvida. Na época eu era bom. Mas no Real não basta ser um bom jogador. É preciso ser forte mentalmente. O trem do Real Madrid nunca para. E talvez na época, com todas as lesões, eu não estivesse mentalmente preparado.
Entende o que quero dizer? Lutei contra as lesões. Depois, tive de lidar com o fato de não jogar. Eu era impaciente. Quando olho para trás, acho que podia ter sido um pouco mais paciente, e deveria ter dado mais valor ao fato de ser jogador do Real Madrid. As pessoas costumam dizer: "Está no Real Madrid, deve estar feliz". Eu pensava: "Quero jogar! Quero jogar! Quero jogar". Nesse aspecto mental, talvez eu não estivesse preparado para o Real Madrid.
Jude Bellingham seguiu um caminho semelhante ao seu, transferindo-se do Borussia Dortmund para o Real Madrid muito jovem...
Esse rapaz está muito pronto mentalmente. Ele está pronto! (risos) Falei com muitos amigos do Dortmund, e me disseram que ele era muito maduro. Era como ter um cara de 25 anos no vestiário, e não um adolescente. Eu nunca estive tão preparado como ele.
Como o Dortmund consegue ter tantos talentos tão rápido?
Todos os clubes podem contratar jovens jogadores. Mas o que acontece no Dortmund é que eles jogam. Contratar jogadores é fácil. O que interessa é o valor da transferência e convencê-los com um bom salário. Além disso, podemos mentir para eles, dizendo que vão jogar. Mas no Dortmund você pode dizer: "Olha, Nuri Sahin, Götze, Lewandowski. Depois, mais tarde, Pulisic, Bellingham, Sancho, Dembélé". No Dortmund, os jovens jogam. Isso é muito importante.
Não há muitos clubes de elite que fazem isso. Também gostaria de contratar jovens jogadores para o Antalyaspor, mas não temos um grande atrativo. Nosso campeonato não é visto, não estamos competindo na Europa, nem jogando a Liga dos Campeões. O Borussia Dortmund está lá todos os anos e tem 80 mil torcedores em todos os seus jogos. O jogador se sente muito bem de estar lá.
Qual é a história que você está tentando construir no Antalyaspor?
Somos um peixe pequeno em um grande oceano. Somos um clube ambicioso, mas não somos o peixe grande. Nem mesmo o peixe grande da Turquia. Queremos dar pequenos passos, de bebê. Tenho uma diretoria que me apoia, que me deu a oportunidade de estar aqui. Quebramos alguns recordes na minha primeira temporada, e agora queremos manter o equilíbrio no elenco.
A cidade, o clube... Eles voam quando a gente ganha, e ficam para baixo quando a gente perde. Precisamos equilibrar isso e criar uma cultura. Esta é a minha maior missão aqui, em Antalya. Estamos dando pequenos passos.
Você tem tempo para isso?
Estamos tentando construir uma base para a nossa "casa". Depois, poderemos nos concentrar no passo seguinte. Não se pode construir sem alicerces. É preciso tempo, e eu tenho esse tempo. Quando cheguei, assinei um contrato de cinco anos. O Antalyaspor é o melhor lugar onde posso estar a esta altura. Quero estar aqui.
Espero que consigamos alcançar o que desejamos. No futebol, é claro, nunca se sabe. No dia em que me tornei treinador, telefonei para Jürgen Klopp, e ele me disse: "É bom você saber que um dia vai ser demitido". Respondi: "Você diz isso, mas nunca aconteceu com você" (risos).
Você passou diretamente de jogador para treinador. O objetivo sempre foi esse ou imaginou um caminho diferente?
Nunca quis ir para a praia durante um ano ou me mudar para Nova York por alguns meses, depois de terminar a minha carreira de jogador. Estou fazendo o que gosto de fazer.
Você é um entusiasta dos dados na análise?
Os dados são muito importantes. Estou trabalhando com uma empresa na Alemanha, analisamos todos os adversários e todas as potenciais contratações. Além disso, no futebol, o olhar é muito importante. Podemos ter os melhores dados disponíveis, mas é obrigatório conversar com os jogadores e senti-los. Há muitos jogadores talentosos por todos os ladoslado, tenho muitos, vários contatos em todo o mundo. Quando você vai atrás de alguém, é preciso saber de onde ele vem, conhecer seu contexto cultural.
Pode nos dar um exemplo?
Contratamos o Shoya Nakajima, que era do Porto. Já tinha conversado com ele antes, mas ele nunca falou de verdade, sabe? Foi muito educado, humilde, simpático, mas foi só isso. Desligamos depois da nossa conversa no FaceTime. Você pode ter dúvidas sobre a capacidade dele de se adaptar, e acabar optando por outro jogador.
Joguei com Kagawa. Como ele era? Quando chegou ao Borussia Dortmund, nunca falava. Depois aprendeu, deu passos conosco. Por isso, também é preciso compreender a cultura. Isso é muito importante para mim. Se eu tivesse olhado apenas para os dados, teria dito que Nakajima é um bom jogador e pronto. Acabamos decidindo contratá-lo.
Já recusou algum jogador depois dessas conversas pessoais?
Tive uma conversa com um jogador de classe mundial que poderíamos ter contratado. Se dissermos o nome dele, a reação é imediata: "Contrate esse cara". Falamos por três minutos. Ao fim desses três minutos, eu disse a ele: "Fique bem! Desejo tudo de melhor para sua carreira".
Se eu contasse isso ao meu presidente, ele provavelmente perguntaria: "Você está louco?'. Mas a breve conversa que tivemos foi suficiente para me convencer de que não é uma boa opção para ele e para o nosso clube.
Você faz sempre uma ligação antes de tomar a decisão ou gosta de conhecer os jogadores pessoalmente?
"Se um jogador está no Japão, talvez eu queira ir ao Japão para ficar frente a frente com ele, como estamos fazendo agora. Uma chamada pelo telefone não é a mesma coisa. Nem mesmo os jornalistas gostam de entrevistar pessoas pelo telefone, certo? (risos). Quando conhecemos alguém pessoalmente, vemos como se comporta, como diz as coisas, como nos cumprimenta. Mais uma vez, é muito, muito importante não perder seu lado humano como treinador. É muito difícil, mas nunca se deve abandonar esse pensamento.
Que jogador você gostaria de treinar?
Ah, essa é difícil. Talvez o Frenkie de Jong. Eu adoro esse cara. É ótimo vê-lo jogar, e gosto muito dele. Outro seria o Alexis Mac Allister. Ele joga muito com o cérebro. Claro, o Haaland, o Mbappé... Mas isso significaria que tenho de chegar ao nível deles, e não que eles venham até mim (risos).
Está observando algum time ou treinador em especial para se inspirar?
Falei com o De Zerbi, é um treinador fantástico. Vejo os jogos dele, e a minha equipe analisa o Brighton todas as semanas. Tiramos uns minutos e vemos tudo o que eles fazem. Quero aprender o máximo possível. Gosto do Manchester City, do Brighton. Também costumava acompanhar o Gasperini na Atalanta e o Conte na Inter de Milão. Gostava do Nagelsmann no Hoffenheim e no Leipzig, queria ver como ele encontrava formas de ganhar jogos.
Você é um fã do VAR?
Gosto, mas acho que deveria ser mais parecido com tênis, onde se pode desafiar as decisões. O VAR ajuda o futebol, mas os jogos param por muito tempo, e com muita frequência. Não gosto de esperar. Mais uma vez, o VAR ajuda o futebol. Mas tira um pouco da emoção. E é por isso que gostamos de futebol, certo? Ele traz à tona diferentes emoções.
O nascimento de um filho, o amor pela nossa companheira, isso é outra coisa. Mas o futebol tem seu próprio conjunto de emoções, que só ele pode gerar. As emoções têm de ficar lá, vamos manter a natureza do futebol.