OPINIÃO: Seleção Brasileira está em outro patamar; virou mera coadjuvante
A justíssima derrota brasileira por 2 a 1 em Tânger teve três serventias:
- Ajudou Andrey Santos a ganhar os pontos necessários para conseguir o visto de trabalho na Premier League;
- Serviu de coadjuvante de luxo para o time africano celebrar junto a seu público o quarto lugar na Copa do Mundo de 2022;
- e engordou o bolso da CBF.
Até os desavisados sabiam que o Marrocos era favorito, pois hoje os africanos têm mais time que o Brasil. Só que o que talvez muita gente ainda não tenha percebido é que o apequenamento da seleção pentacampeã do mundo não é circunstancial, e sim uma nova realidade.
Trata-se de uma seleção que ainda entretém audiências mundo afora (algo que a CBF capitaliza bem) e que carrega muita história, mas que não rivaliza com as principais equipes do planeta já faz tempo.
O Brasil atravessa sua pior crise na história das Copas. Desde 2002, o time passou uma única vez para as semifinais do torneio – e era melhor não ter passado, pois deu de frente com uma equipe muito melhor e apanhou de 7 a 1, algo inédito em sua história.
É verdade que na Copa de 2026 igualaremos o jejum 1970-1994, mas naquele hiato a Seleção fez pelo menos dois excelentes Mundiais (1978 e 1982), algo que não vimos na seca atual.
O Brasil não reina mais nem em seu quintal, haja vista que a vizinha Argentina é a atual campeã do mundo e do continente.
E a "Pátria de Chuteiras" também não possui mais os melhores jogadores do futebol mundial. Já faz 15 anos que Kaká se tornou o último brasileiro a vencer a Bola de Ouro.
Messi, Cristiano Ronaldo, Modric e Mbappé não vestem a Amarelinha, como se sabe. E o melhor jogador da Seleção hoje é um volante (Casemiro), o que é mais um sinal dos tempos.
Camisa manchada e lastro perdido
Talvez o maior problema para a reconstrução da Seleção seja interno.
Por conta do aumento e da concentração de renda no futebol do sul/sudeste após a adoção dos pontos corridos em 2002, a seleção tornou- se menos nacional.
Na última Copa do Mundo, 85% dos jogadores brasileiros nasceram nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No Mundial do penta, esse número era de 56%.
Some-se a isso: os atletas convocados saem muito cedo do país para ganhar muito dinheiro na Europa. Isso mantém apenas alguns poucos ainda conectados à difícil realidade brasileira, e faz com que muitos jogadores sejam desconhecidos da maioria da população que não tem TV a cabo para ver a Premier League.
Mais recentemente, outro problema. A camisa do Brasil virou motivo de cisão na sociedade desde que militantes bolsonaristas sequestraram a Amerelinha.
E, fora tudo isso, a CBF ainda faz o favor de afastar a Seleção ainda mais de seu povo.
Desde que a confederação terceirizou a venda de amistosos do Brasil, a equipe quase nunca faz esses jogos em casa, ao contrário do hábito das seleções de elite.
Até o final do ano passado, era uma empresa inglesa (Pitch) a responsável por negociar as partidas, que custavam em torno de R$ 1,5 milhão.
E esse distanciamento com o próprio país não se dá só por razões comerciais. Como o amor pela Seleção nos estádios nacionais nunca foi comovente (vide o famoso jogo das bandeiras atiradas ao gramado do Morumbi, no ano 2000), apresentar-se bem longe evita fadigas.
Com espectadores, mas sem torcida
Esse êxodo da CBF parece até nem dar saudades. Pois ao contrário de times como Alemanha ou Argentina, o Brasil nunca teve uma torcida "clubista", uma organizada que acompanhasse a equipe, um canto que empurrasse o time em jogo grande.
O contraste com a arquirrival, por sinal, é gritante. Dois dias antes de o Brasil perder no Marrocos sem a menor cerimônia, a campeã do mundo fazia uma festa emocionante em um Monumental de Núñez lotado, barulhento e pulsante.
A Canarinho ainda gera expectativa por conta da tradição e dos bons jogadores, mas só vai voltar à elite do futebol internacional se passar, de fato, por uma revolução, e se revolver a questão: para quê, para quem ela serve?
Carlo Ancelotti sozinho não será o salvador da pátria.
Hoje, sem técnico, sem lastro, sem rumo, a Seleção é apenas um produto de exportação de qualidade duvidosa.