Surfe na Nigéria é praticado entre oleodutos e navios petroleiros
Na Baía de Tarkwa, uma pequena vila de pescadores próxima ao porto titânico da capital econômica da Nigéria, o surfe se tornou uma válvula de escape para os jovens nos últimos anos.
Em meio às ondas, o bando de surfistas multiplica seus números sob os aplausos de seus colegas, por ocasião da segunda competição nacional de surfe organizada nesse país da África Ocidental, onde o esporte ainda está em sua infância.
Longe dos grandes centros do surfe africano, como Senegal, África do Sul ou Marrocos, Michael (20) está determinado a se tornar um "campeão" para representar não apenas a Nigéria, mas "todo o surfe africano", diz ele com olhos brilhantes e cheios de esperança.
"Talvez não hoje ou amanhã, mas um dia serei um campeão", diz ele com convicção na praia, onde crianças de apenas seis anos já estão se exercitando em pedaços de madeira.
Michael treina todos os dias há sete anos para realizar seu sonho, como dezenas de adolescentes dessa comunidade que não têm escola nem posto de saúde e que vive principalmente do turismo, já que sua vila e praia, acessível apenas por barco, é um dos poucos locais de lazer da megalópole, que, com 20 milhões de habitantes, carece de espaço. Os nigerianos ricos e os estrangeiros vão para lá todo fim de semana para relaxar.
Na verdade, foi graças a esses visitantes que as primeiras pranchas de surfe apareceram nessa praia há mais de quinze anos... Antes de conquistar os corações dos jovens de Tarkwa.
"Adoro surfar, porque quando estou em uma onda, me sinto bem e esqueço todos os meus problemas", diz Michael.
Foi o surfe, há três anos, que lhe permitiu superar o trauma da expulsão forçada e da demolição de sua casa pelos militares nigerianos, diz ele.
Escavadeiras e demolições
Em uma manhã de janeiro de 2020, soldados da marinha chegaram com seus "buldôzeres" e deram aos milhares de habitantes da Baía de Tarkwa uma hora para recolher seus pertences e partir.
"Eles demoliram todas as nossas casas. Disseram que era resultado dos oleodutos vandalizados, que havia muito combustível (roubado) e destruíram nossa ilha", lembra o jovem.
O exército então acusou a comunidade de envolvimento no roubo de combustível dos dutos que correm ao longo da lagoa e fornecem gasolina para todo o oeste da Nigéria. O país de 215 milhões de habitantes é o sexto maior produtor de petróleo do mundo, mas cerca de metade da população vive em extrema pobreza.
Após a evacuação, a maioria dos habitantes de Tarkwa retornou e se estabeleceu nas ruínas de suas casas, ainda visíveis três anos depois.
"Lutamos para ter abrigo, para comer, para ter uma vida boa", diz Michael, que desde aquele dia não parou de "surfar para esquecer todo o resto".
O surfe deu muita esperança a esses jovens, alguns dos quais estão desesperados e não têm nada para fazer o dia todo", diz o presidente da Federação Nigeriana de Surfe, Adewale Fawe, que está convencido de que "o surfe pode se tornar algo positivo em suas vidas e manter esses jovens longe da criminalidade e do vício em drogas".... E por que não mudar também a imagem dessa comunidade e, assim, evitar futuras expulsões.
Adewale Fawe sonha em desenvolver o surfe em outras localidades do país, como Bayelsa, no Delta do Níger, onde os habitantes vivem na miséria e na violência, além de estarem em um dos lugares mais poluídos do mundo após décadas de exploração de petróleo.
E sonhar que um desses jovens possa um dia representar a Nigéria nos Jogos Olímpicos.
Mas os desafios são imensos para popularizar essa modalidade, especialmente devido à falta de pranchas de surfe, que são muito caras, explica o líder.
Os melhores surfistas de Tarkwa receberam pranchas de presente de indivíduos, associações ou grandes marcas de surfe, mas ainda há uma enorme falta de equipamentos.
Até agora, a solidariedade está funcionando: "Quando não estamos na água, emprestamos a prancha aos pequenos para que eles possam praticar", diz Michael, cercado por um grupo de crianças que o observam com admiração. Para elas, Michael já é um campeão.