Uma paixão desmedida: Argentina resgata sua aura vitoriosa no futebol
Reunidos em famílias e em grupos de amigos, em casa, em bares ou em parques onde foram instalados telões, e seguindo seus rígidos rituais supersticiosos, os argentinos entoaram um só grito diante do gol de pênalti cobrado por sua estrela, Lionel Messi, aos 23 minutos do primeiro tempo.
Não demorou muito para que o segundo chegasse para dar ainda mais fôlego aos 'hermanos'. Ángel Di María, que há alguns dias estava com desconfortos físicos, ampliou aos 36 e instaurou um clima apoteótico no estádio Lusail, ao som de "Fideo, Fideo, Fideo", seu apelido na Argentina.
"Estão jogando com pressão, um trabalho maravilhoso desse treinador (Lionel Scaloni)", comentou emocionado Gabriel Escalante, serralheiro de 39 anos que assistiu ao jogo no telão instalado no Parque Centenario, no centro de Buenos Aires.
Mas a reação francesa tomou forma com dois gols marcados por Kylian Mbappé no espaço de apenas um minuto (aos 80 de pênalti e, novamente, aos 81), deixou a torcida argentina paralisada, com as mãos na cabeça e de joelhos no chão.
"Imagina o que esses garotos estão sentindo. Toda a Argentina com o coração apertado", desabafou Emilse Roa, uma avó de 77 anos que exibia um batom com as cores azul claro e branco.
O empate assombrou os 'hermanos' até o final, com um gol de Messi no primeiro tempo da prorrogação, que foi igualado novamente pelo camisa '10' francês aos 118.
"Eles merecem vencer. É uma pena ir para uma definição como essa. A Argentina dominou mais, eles deram tudo. Futebol é assim", disse Sergio Loreto, de 32 anos.
Alguns minutos mais tarde, era possível ver rostos aliviados com lágrimas após a vitória da Argentina nos pênaltis.
Agustín Acevedo, um pedreiro de 25 anos da periferia que queria ver a final em Buenos Aires, resumiu que "esta é a última Copa do Messi, queremos que ele se consagre e tenha essa estrela, que é a única que lhe falta".
"Há sempre altos e baixos na economia, é sempre difícil sobreviver, mas com o futebol você se esquece de tudo", acrescentou.
"Muchachos" empolgados
A 'Albiceleste' ganhou sua primeira Copa do Mundo em 1978, em casa, e a segunda, no México, em 1986. Depois seguiu em um período de jejum em que bateu na trave em 1990 e 2014, quando chegou à final e foi derrotada pela Alemanha nas duas ocasiões.
Mas os argentinos sentiam que uma nova glória estava se aproximando e, neste contexto, foram embalados pela música 'Muchachos', da banda La Mosca, que diz "voltamos a nos empolgar", que virou o hino da competição.
"Não gosto de futebol, mas não podia deixar de vir aqui, sentar e assistir ao jogo. Não podia. O time, o povo e o país merecem a vitória. Não há uma pessoa no mundo que não se identifique com o futebol argentino, com Messi e (Diego) Maradona, jogadores que fizeram história. Nós que nascemos depois de 1986 desejamos isso com nossas almas", disse Joel Ciarallo à AFP.
Paixão argentina
O Obelisco, cartão-postal de Buenos Aires, localizado na Avenida 9 de Julio e ponto de comemoração do futebol, foi tomado por torcedores antes mesmo do jogo começar.
O trânsito no centro da capital foi fechado, com o serviço de metrô limitado. As ruas pareciam completamente desertas durante a transmissão do jogo.
No bairro de Villa Devoto, um grupo de torcedores assistia à partida na casa que pertenceu à Maradona, aberta aos vizinhos pelo seu novo proprietário, Ariel García, um advogado de 47 anos.
"Maradona lembra a todos os argentinos da nossa infância com a família. Maradona foi quem mais nos deu alegrias", disse García, evocando o ídolo que os argentinos chamam de 'D10s'.
Buenos Aires, outras cidades argentinas e até os bairros mais remotos exibiam as cores do azul claro e branco nas camisas com o número '10' de Messi, nos enfeites das fachadas de casas e lojas, nos rostos maquiados, nas unhas pintadas e em algumas calçadas no centro da capital.
Até mesmo turistas de passagem pela cidade se contagiavam com essa paixão sincera.
"Todos queremos que Messi ganhe a Copa. Eu o acho o melhor jogador de todos os tempos e merece ganhá-la", disse Greg Layhe, um inglês que poderia ter sido o maior rival dos argentinos em outro momento.